
Stephanie Daher¹
“Qual o endereço, moça?”
Faço as indicações do destino e começamos uma corrida de 15 minutos. Bandeira 2 marcava no taxímetro. Ar condicionado, balinhas e então a conversa. A conversa poderia ter sido sobre a chuva, sobre a música que tocava ou sobre o trânsito. Mas aquele dia um assunto estava latente, como algo que tem que ser dito e posto corpo afora. O taxista pergunta se eu estava indo pra casa descansar, respondo: “gostaria, mas ainda tenho coisas da faculdade para fazer”.
Com uma voz apressada e as costas inclinadas sobre o volante – como quem não suporta mais o formato do banco do carro – ele começa a me contar sobre sua rotina: “Daqui a pouco passo busca minha esposa no trabalho, deixo ela em casa correndo, aí já volto trabalhá”. Pergunto se eles passam pouco tempo juntos, e ele me diz: “sim, não me lembro da última vez que dei um abraço nela”. Com normalidade continuou contando, “às vezes rola umas janta, ontem mesmo ganhei uma de um vereador e a gente foi lá jantá. Mas hoje eu tenho outra aqui comigo oh – falou mostrando o convite – e ela tá tão cansada que não tem força nem pra sair de casa. Então vou dá o convite prum amigo meu”.
Vi uma chupeta pendurada no retrovisor do carro e perguntei se eles tinham filhos pequenos. “Não, não, meus filhos são tudo grande já – foi respondendo – são três, um deles só dá trabalho, terrível o menino. Os outros dois eu ajudo a pagar os estudo, mas já tão encaminhado. Só que é caro né? Mês passado eu tirei limpinho 9 mil aqui no táxi, começo às 7h e paro meia noite, hoje eu não tenho um real no bolso. Tá muito difícil esse país. Todo dia a mesma coisa, passo o dia dentro desse carro, durmo, aí toca o despertador e começa tudo de novo, e assim a vida vai passando”.
Estava na metade do percurso quando me dei conta que aquele táxi sairia mais caro do que eu tinha planejado. O taxímetro não contava, mas eu já sentia o peso daquele desabafo enquanto refletia sobre mim mesma. Ainda em sua fala eufórica continuou dizendo “…mas também, se tem uma coisa que eu não suporto é ficar em casa vendo TV, nossa, isso é uma coisa que me dá nos nervo.” “E o que você gosta de fazer?”, perguntei.
E o táxi ficou em silêncio.
Talvez o tempo não tenha sido tão longo quanto me pareceu. O carro estava parado no sinal e ele me olhou pelo retrovisor, depois se virou no banco e me olhando no rosto sem encontrar os olhos disse: “Eu não sei. Não sei o que eu gosto de fazer. Eu passo o dia no táxi, acho que eu gosto disso”.
Me veio um nó na garganta e água nos olhos, mas eu não podia chorar ali. Fui segurando mais algumas quadras. A corrida terminou e perguntei qual era o nome dele “Marcelo” – respondeu. Agradeci, paguei a corrida e falei com um sorriso para soar leve: “Obrigada, Marcelo. Lembre de dar um abraço na esposa hoje”. “Opa, pode deixar” – respondeu rindo.
Desci daquele táxi como quem não estava pronta para o que ouviu. Sentei na mureta do lado de fora do prédio enquanto tentava aliviar a angústia com a água que saia do olho. A condição de Marcelo tocava também na minha. Essa semana morreu uma plantinha aqui em casa, uma suculenta, daquelas que mal precisam de água. Você molha uma vez na semana e tá tudo certo. E nem desse tipo de relação eu tenho dado conta. Talvez me reste adotar um gato, pensando que eles são independentes e não precisa cuidar muito. Porque o relógio tá passando por cima de tudo, e as demandas são tantas, que para os desejos e as relações de afeto sinto quem tem ficado só as migalhas.
¹Mestranda em Administração pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Como citar:
DAHER, Stephanie. Crônica para a atualidade – Tempos de gatos e suculentas. Nuevo Blog. Disponível em: https://nuevoblogbr.wordpress.com/2020/04/04/cronica-para-a-atualidade-tempos-de-gatos-e-suculentas/. Acesso em: ??
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