A Necropolítica de Transexuais e Travestis em Tempos de Coronavírus

Eloísio Moulin de Souza¹

Pessoas LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis e Queer) vivenciam cotidianamente diversas formas de violência simbólica, psicológica e física em razão de não performarem suas identidades conforme normas hegemônicas socialmente construídas que circulam em nossa sociedade. Em relação as normas de gênero hegemônicas, opera toda uma cisnormatividade pela qual pessoas cujas identidades de gênero coincidem com seu sexo biológico de nascimento, denominadas de cisgêneras, são socialmente valorizadas e gozam de diversos privilégios na sociedade. A cisnormatividade desqualifica e desvaloriza pessoas cujas identidades de gênero não seguem o sexo biológico de nascimento, como é o caso de transgêneros.

Exatamente por não seguirem a cisnormatividade, corpos de pessoas trans são considerados abjetos e, por serem abjetos, são condenados a vivenciarem de forma mais intensa e contínua violências simbólicas, psicológicas e físicas. Butler explica que corpos abjetos são excluídos da sociedade, pois são considerados corpos doentes, defeituosos, inferiores, não humanos e até mesmo monstruosos. Vale ressaltar que a palavra abjeto em português é usada para definir aquilo que é vergonhoso, indigno, infame, desprezível, execrável, repugnante, repulsivo e odioso.  Nesse sentido, o corpo abjeto é socialmente constituído como uma ameaça constante a toda a sociedade, colocando em risco a cisnormatividade e, devido a isto, considerado um perigo para toda a sociedade. Por serem considerados uma ameaça para toda a sociedade são direcionados aos corpos de pessoas trans ódio, medo e repulsa aqui denominado de transfobia. Assim, a transfobia opera como uma forma de assepsia social que funciona e atua através de um processo de higienização social que objetiva tornar a vida de pessoas transgêneras menos vivíveis ou até mesmo não vivíveis.

Tratando especificamente da identidade de pessoas transexuais e travestis, por seus corpos serem considerados abjetos, são direcionadas a eles diversas formas de violências transfóbicas que têm como principal intento atuar como uma forma sanitária de higienismo social, buscando impossibilitar e/ou eliminar toda potência de seus corpos e, consequentemente, suas vidas  e existências. Considerando todos esses aspectos presentes em relação a pessoas transexuais e travestis no imaginário social de nossa sociedade faz com que seja necessário alertar para o risco e possibilidade de que o coronavírus atue como uma forma de necropolítica. Necropolítica é um conceito que advém dos estudos raciais, elaborado por Mbembe, que será aqui utilizado como ferramenta conceitual para alertar para a possiblidade do uso do coronavírus como forma de política higienista de Estado direcionada a transexuais e travestis. A necropolítica ocorre quando o Estado nega a humanidade de determinadas populações, não direcionando esforços e políticas públicas para as protegerem, possibilitando que diversas formas de violência possam ser empregadas, permitindo a morte destas populações.

Devido a transfobia tão presente em nossa sociedade cisnormativa, são negados a transexuais e travestis o acesso à diversos lugares e posições sociais, como escola, trabalho formal, renda, saúde e moradia. Muitos transexuais e travestis são expulsos da casa de suas famílias ainda na adolescência, ficando expostos a condições de extrema vulnerabilidade social, não conseguindo ocupar vagas de empregos formais para garantir seu sustento, bem como não conseguem dar continuidade aos seus estudos. Diante deste cenário, não lhes resta muitas opções laborais que lhes garantam moradia, alimentação e vestuário, fazendo com que muitos sejam compelidos a se prostituírem nas ruas para garantirem seu sustento e sobrevivência.  Diante da necessária quarentena social a atividade de prostituição de transexuais e travestis acaba sendo diretamente afetada, fazendo com que eles estejam destituídos de qualquer forma de renda que garanta sua sobrevivência. Desta forma, é fundamental que o Estado desenvolva políticas de renda que protejam essa população em tempos de coronavírus. Ao não desenvolver tais políticas grande parte desta população estará vulnerável aos efeitos do vírus, ou seja, a morte. Portanto, em tempos de pandemia, considerar transexuais e travestis como abjetos e inimigos sociais,  não direcionando políticas públicas que os protejam de sua condição de vulnerabilidade, o Estado coloca em funcionamento toda uma necropolítica que objetiva a higienização social e, consequentemente, a morte desses seres humanos.

¹Doutor em Psicologia pela Univeridade Federal do Espírito Santo (Ufes). Pós-doutor em Administração pela University of Leicester (Reino Unido). Professor Associado II de Graduação e Pós-graduação no departamento de Administração da Universidade Federal do Espírito Santo.

Como citar:
SOUZA, Eloísio Moulin de. A Necropolítica de Transexuais e Travestis em Tempos de Coronavírus. Nuevo Blog, 2020. Disponível em: https://nuevoblogbr.wordpress.com/2020/04/06/a-necropolitica-de-transexuais-e-travestis-em-tempos-de-coronavirus/. Acesso em: ??

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