
Flávia Granzotto Fachini¹
Foi decretada situação de calamidade pública, atentos e atentas àqueles que se graduaram em Serviço Social, profissão que no Art. 3° de seu código de ética elenca como um dos “deveres do/a assistente social” no inciso d “participar de programas de socorro à população em situação de calamidade pública, no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades” (CFESS, 2012, p.27). Para nós, que presenciamos o agudizamento das expressões da questão social cotidianamente, tal situação, é mais um dado da realidade que sentimos no corpo, na carne. E sim, tudo se apresenta, neste momento, de forma caótica e acentuada. O medo é legítimo, a prevenção necessária. Os impactos nas condições socioeconômicas da população já são sentidos, trabalhadores autônomos sem trabalho, pessoas saindo de suas casas para ir trabalhar, mesmo que, tal situação as coloque em risco de vida. Afinal, é preciso “colocar a comida na mesa” como escuto diariamente.
Para os/as Assistentes Sociais é tempo de correr, desespero e o trabalho: “é só de tênis”. A população vive, ou melhor, subsiste com escassez ou falta de alimentos. O “corre, corre” é também pela busca da garantia de nossas condições de trabalho, agora precisamos de máscaras – que não temos; jalecos – que não temos; álcool 70% – que temos em pouca quantidade. Mesmo assim, trabalhamos? Fomos cooptados pelo afeto como já indicava Dejours em a “banalização da injustiça social?”. Mesmo nós, que estudamos o modo de produção em que vivemos, a forma como as relações sociais se dão nesse sistema. Sim, nossa leitura é a de que também fazemos parte da divisão social e técnica do trabalho e por isto necessitamos de condições adequadas de trabalho, não só, para buscar a garantia dos serviços prestados à população, mas também, pela nossa qualidade de vida.
O que fazemos com a população em situação de rua que atendemos? Orientaremos que lavem suas mãos na rua? Que carreguem água e sabão em suas mochilas? Onde deixarão seus pertences?
Acreditem “essa indagação não é de hoje”. As Unidades de Acolhimento Institucional, os vulgarmente chamados de “abrigos”, se reorganizam. Intensificam-se as ações junto à população em situação de rua. Os profissionais que trabalham na Proteção Social Especial, mesmo com o plano de contingência, não tiram folga alguma, afinal, a violação de direitos; a violência física; a violência psicológica; a negligência; a violência sexual e o abandono, não tem parada, uma pandemia não intimida. Aproveito para divulgar o Disque 100, Disque 181 e Disque 190 para tais situações.
Os/as Assistentes Sociais que trabalham na saúde também, não têm folga alguma. As emergências chegam, a vida estranhamente, continua. Na saúde mental continuam e até se intensificam as crises, os usuários estão cada vez mais ansiosos e depressivos em suas casas, tal como nós. É preciso manter-se forte, estável, passar segurança e acalmar os medos. Mas, quem acalma a nós? Em tempo que abraços não são mais possíveis, o compartilhar do álcool achado com dificuldade em determinado estabelecimento, é um ato de carinho.
Os usuários e usuárias do Sistema Único de Saúde ligam mais e mais vezes. “Quando as atividades retornam?”, “Estou tendo problemas em casa…”, “Preciso trabalhar e não posso!”. Mais uma vez, o modo de produção e reprodução da vida social, faz com que o trabalho torne-se mais urgente que nossa saúde, nossa segurança, nossa qualidade de vida. O que será daqueles que trabalham como autônomos? Indagações que me faço diariamente, porque, trabalho diariamente com a privação material, com a escassez de políticas sociais, com a violência expressa na ausência do Estado. Mas sim, essa é uma situação diferente, pois, as expressões da questão social se metamorfoseiam, e sim, teremos grandes impactos na vida material dos sujeitos, de toda forma, mais ainda, se não houver investimento em políticas sociais para o atendimento das necessidades emergenciais da população. Em relação à saúde mental, mais trabalho ainda está por vir.
É preciso que, mesmo em momento tão urgente, de calamidade pública, continuemos a exercer nosso trabalho de acordo com nossas competências e atribuições profissionais e que possamos com condições adequadas de trabalho cumprir com nosso dever ético-político, para isso, seguimos na organização coletiva da categoria e conosco toda a população.
Referências:
BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. – 9. Ed. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2011.
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
¹Assistente Social na saúde mental atua em um Centro de Atenção Psicossocial. Professora convidada da pós-graduação da Faculdade Bagozzi e Instrutora acadêmica da residência multiprofissional em saúde mental do Estado do Paraná. Mestre e doutoranda em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR.
Como citar:
FACHINI, Flávia Granzotto. Foi decretada “situação de calamidade pública”: O Serviço Social em tempos de Pandemia pelo COVID-19. Nuevo Blog, 2020. Disponível em: https://nuevoblogbr.wordpress.com/2020/04/12/foi-decretada-situacao-de-calamidade-publica-o-servico-social-em-tempos-de-pandemia-pelo-covid-19/. Acesso em: ??
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