Por Francis Kanashiro Meneghetti

“Um homem que não pode escolher deixa de ser um homem”[1].
Devemos ser capazes de escolher entre tudo que queremos. Sim, nós queremos tudo, mesmo sabendo que não podemos ter tudo e que não conseguimos lidar com tudo que queremos. Queremos saber mais, sermos mais poderosos, mais bonitos e atraentes, mais admirados. Queremos consumir mais, ser mais conhecidos, valorizados, ter mais likes, mais poder econômico, político e no trabalho, falar tudo a todos de nosso jeito, controlar as pessoas. Queremos só direitos e para os outros deveres! Queremos controlar nosso próprio querer e os desejos dos outros. Queremos o absoluto, o infinito, a eternidade, a nossa verdade, sem restrições, sem limites, sem mediações.
Mas se não conseguimos tudo que queremos, pelo menos, nas piores situações. Eu sou o mais doente na conversa entre os hipocondríacos e minha doença é a pior. Queremos ser o mais feio, inconveniente, violento, ou seja, sou “mais e melhor”, mesmo entre os piores, afinal, queremos. O imperativo do quantitativo nas nossas vidas sobrepujou o qualitativo. Queremos continuar querendo e que todos os nossos desejos sejam realizados. Queremos, indefinidamente.
No fundo, queremos o poder dos tiranos! Na vida moderna, sob a lógica da produtividade-desempenho, nos colocamos como tiranos de nós mesmos. O paradoxo é que essa tirania, quando realizada, nos tira a própria liberdade porque nos tornamos reféns do próprio querer!
E quanto maior a ignorância do tirano, mais ele se torna um perigo para a sociedade. Alguns quereres que nos habitam podem ser trágicas para a sociedade. São eles:
Querer mais poder econômico.
Querer mais poder político.
Querer que minhas ideias sejam as únicas corretas.
Querer que todos queiram o que quero.
O tirano que me habita, onipotente, se institui como único. A própria encarnação da verdade. O senhor máximo que tudo quer e tudo pode. Quando me vejo nessa situação sob o domínio da tirania, percebo que os sentimentos que estruturam minhas ações são a insegurança, a indiferença, a baixa auto-estima, a ignorância, o desemparo, o tédio, a letargia, a antipatia. No fundo o tirano que nos habita é alguém tão frágil que não consegue nem mesmo perceber os seus quereres, como está sob a égide do medo e como eles são constitutivos da sua subjetividade.
A situação se complica quando o nosso tirano se encontra com os tiranos dos outros. Nesse momento, surgem as “pessoas de bem”. Unidos pelo matrimônio da ignorância, da insignificância e dos seus quereres, tentam impor aos outros que lhes são antipáticos seus desejos, subjugando todos que colocam em evidência os sentimentos que os movem. Agora é a hora das “pessoas de bem” atacarem. Unirem-se para instituir seu poder econômico, político, e fazer valerem suas ideias a qualquer preço.
Eles querem e não conseguirão conter seus quereres. Vão continuar tentando impor seus quereres e não irão retroagir. Os tiranos são incapazes desse ato, pois os sentimentos que os unem são estruturantes do sentimento de onipotência que adquirem no grupo, na massa. Pouco importa a ideologia, os valores, as crenças. O que importa são seus desejos. A tirania é uma doença da nossa intimidade, que cada um exerce da forma que consegue. Alguns como empresários, pastores, professores, médicos e presidentes. As diferenças, no entanto, são que algumas pessoas têm mais consciência dos sentimentos que os tornaram assim e tentam controlar seus tiranos interiores. Que alguns, ao escolherem algumas coisas dentre tudo que querem, apaziguam, mesmo que momentaneamente, seu tirano interior. E que o amor é sempre uma esperança de cura para as doenças da nossa intimidade.
[1] Burgess, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Aleph, 2014, p. 156.
Francis Kanashiro Meneghetti é Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade e no Programa de Pós-Graduação em Administração pela Universidade tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
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