
Antonio Carvalho Neto¹
O trabalhador brasileiro, submetido há seis anos a uma economia que praticamente não gera trabalho e muito menos emprego, vive desde 2017 os efeitos de uma reforma trabalhista que produziu o mais radical corte de direitos em 70 anos, além de diminuir o poder dos sindicatos e enfraquecer a Justiça do Trabalho.
A intenção de governo e empresários com a reforma trabalhista no Brasil é se aproximar do modelo de relações de trabalho dos EUA, onde a trabalhadora não tem sequer licença maternidade (que ainda não cortaram por aqui) e as férias são de uma semana, para se ter uma ideia do que acontece por lá. Só que a economia estadunidense (estadunidense porque americanos somos todos nós, do Chuí ao Alaska) é uma das mais dinâmicas do mundo, das mais capazes de criar oportunidades de trabalho. Estamos a anos luz desta situação.
A reforma trabalhista possibilita acordo direto entre empresa e empregado para reduzir salários, alguns direitos e benefícios, além de facilitar a demissão e mudanças no contrato (como trabalho intermitente), tudo sem a proteção do sindicato. Para um trabalhador com emprego formal com férias de 30 dias, abono de férias, salário fixo, horas extras pagas com acréscimo, plano médico, licença maternidade, a tendência é perder parte ou tudo num futuro próximo, gradativa ou abruptamente, pois os empregadores vão utilizar as facilidades que a reforma trouxe para reduzir algumas destas vantagens ou simplesmente demitir o trabalhador e substituí-lo por outro que custe menos para a empresa.
Para o trabalhador que sempre viveu na informalidade, pode ser que aumente a chance de conseguir algum trabalho menos informal criado pela demissão do trabalhador que tinha o emprego de mais qualidade e o perdeu. Mas essas posições relativas de cada trabalhador no mercado de trabalho se agravam muito devido ao impacto negativo no emprego que é cada vez mais significativo devido à Indústria 4.0. Há alguns anos, o trabalhador brasileiro, como em todo o mundo, está vivendo também as transformações produzidas pela Indústria 4.0, que vem destruindo muitos empregos formais, tradicionais, mais protegidos pela legislação trabalhista. Por outro lado, tem criado oportunidades de trabalho, embora mais precárias, mais informais e de baixa remuneração, para trabalhadores que estavam fora do mercado de trabalho ou perderam seus empregos formais.
A Indústria 4.0 produz bens e serviços que vem revolucionando a economia em todo o planeta. Veio para ficar, e é extremamente difícil de regular, dada a sua forma de funcionamento. Se engana quem pensa que é destinada somente a uma elite de consumidores. Uma das leis mais importantes da economia, a da oferta e da procura, garante a produção de bens e serviços muito mais baratos do que na “velha economia”. A uma sessão de cinema cada vez mais inacessível aos mais pobres, a Netflix contrapôs um serviço de alta qualidade, muitíssimo mais barato. O Uber barateou enormemente o serviço de transportes, a ponto de causar impacto negativo na compra de carros particulares. Taxistas perderam trabalho, mas foram criadas muitas oportunidades de trabalho para quem estava na informalidade ou sem ocupação, até mesmo para o trabalhador que perdeu seu emprego formal. O AirBnb barateou muito o custo de hospedagem. Causou desemprego nos hotéis, mas proporcionou mais renda para cidadãos que alugam quartos em suas casas. Os grandes bancos tradicionais se surpreenderam com a concorrência de bancos virtuais que não cobram tarifas e praticamente não têm estrutura física. Perda de emprego formal para os bancários do sistema financeiro tradicional, mas criação de empregos para jovens na área de TI. O custo de vestimentas e de muitos outros bens de consumo caiu espetacularmente com a atuação sincronizada de plataformas digitais e seus aplicativos, aliados a uma rede global de fabricação automatizada e baseada em mão de obra barata (quando precisa de mão de obra, pois os robôs inteligentes estão não só cada vez mais substituindo o trabalho de baixa qualificação, mas também tarefas que exigem alta qualificação), apoiada por uma logística muito eficiente. A logística para atender o comércio via plataformas digitais vem criando muitos empregos de entregadores (geralmente jovens de baixa escolaridade em motos, bikes e carros, que estavam fora do mercado de trabalho, e pessoas que perderam empregos formais). Na construção civil já há testes positivos para levantar um prédio de três andares em 90 dias, usando a impressão 3D. Mais empregos a serem destruídos, com certeza.
Estudo divulgado pela revista The Economist mostra preocupação com o fato de que, para fazer andar esta Indústria 4.0 será necessária somente uma parcela de 20% dos trabalhadores hoje empregados nos países desenvolvidos e em desenvolvimento como o nosso. Qual a saída? Renda mínima? Nos países escandinavos já se está praticando uma espécie de renda mínima, pedindo como contrapartida que os beneficiados trabalhem com inovações, com economia criativa. No Brasil, com nossa imensa desigualdade social e dinamismo econômico cronicamente medíocre, sem a proteção do trabalho retirada pela reforma trabalhista, parece restar à imensa maioria dos trabalhadores neste mundo 4.0 o papel de … entregadores de pizzas, com exceções aqui e acolá.
¹Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor no Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Como citar:
CARVALHO NETO, Antonio. O trabalho entre a Indústria 4.0 e a reforma trabalhista no Brasil: qual futuro? Nuevo Blog, 06 Jun. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/06/06/o-trabalho-entre-a-industria-4-0-e-a-reforma-trabalhista-no-brasil-qual-futuro/ . Acesso em: ??
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