O Ovo e a Intimidade. Porque devemos revelar nossas preferências para outras pessoas!

Por Francis Kanashiro Meneghetti

O título do texto é estranho, confesso. Mas não é nada do que você está imaginando, apesar de ser um texto revelador da nossa intimidade. 

O ovo é um alimento popular. É considerado um vilão, por causa do colesterol, comida de pobre porque é mais barato que a carne, comida de quem não sabe cozinhar pela facilidade em prepará-lo. Mas não se engane, ele também pode ganhar versões mais elaboradas ou mesmo sofisticadas, como o ovo Molett, Pochê ou os elaborados Tamagoyaki japoneses. Em versões mais simples ou mais elaboradas, são poucas as pessoas que não gostam de um ovo bem feito.

Existem várias formas de prepará-lo. Tem gente que gosta de ovo mexido, outros, frito. Muitos adoram um ovo cozido ou de omelete. Há formas de incrementá-lo. No ovo mexido é possível deixar com a clara mais aparente ou mais misturado com a gema. No frito, é possível fazê-lo com a gema mais mole ou dura. Como omelete é possível incluir infindáveis ingredientes, desde um simples queijo prato até aspargos ou cogumelos shitake.

Ele também é utilizado para empanar, em massas, dar liga nos alimentos, etc. O ovo é um alimento versátil, com diversas funções culinárias e que pode ganhar uma diversificação enorme no preparo. É, ainda, um excelente acompanhamento para outros alimentos, como, por exemplo, o arroz, o pão, a quirera, etc.

Mas, calma! Esse não é um texto de culinária. Até porque não sou uma pessoa de habilidades culinárias excepcionais. Minha ideia neste texto é mostrar que o ovo pode revelar intimidades das e entre as pessoas.

Primeiro, em nós mesmos! Com o nosso passado, no resgate de lembranças de pessoas queridas que elaboraram esse prato ou partilharam deles conosco. Algumas lembranças me vêm à mente. Quando criança, lembro-me de comer um delicioso pão com ovo mexido na casa do meu amigo Almir depois de tardes inteiras andando de bicicleta por todas as estradas da zona rural onde morávamos. No início da adolescência, após tardes de trabalho no sítio, sentávamos e comíamos dois ou três pães com ovos fritos. Na república onde morei com outros cinco amigos, fazíamos em torno de vinte sanduíches americano – pão, maionese, presunto, queijo, ovo frito, tomate e alface – e comíamos tudo depois do jogo de futebol. Minha mãe fazia ovos cozidos em molho de tomate com ervilhas. Na casa da minha avó me lembro do delicioso ovo mexido com queijo colonial para acompanhar a polenta na chapa! Quando morei em São Paulo, antes de ir no estádio assistir jogos do meu Timão, adorava passar na padaria Coringão para comer dois ovos empanados com tubaína. Ou, ainda, depois das baladas noturnas em Registro, minha cidade natal, chegava em casa e cozinhava meia dúzia de ovos e comia com sal e Ajinomoto. As manhãs não eram olfativamente agradáveis para quem se aproximasse de mim! E você, quais lembranças te remetem a um passado afetivamente positivo a partir da experiência do ovo como alimento? De quem você se lembra? De quais situações?

Na hora de fazer uma receita com ovo, no esforço de acertar o prato que, mesmo comum, é intenso porque revela boas intenções entre as pessoas, você se coloca na necessidade não só de acertar, mas, também, de revelar-se como alguém que sabe viver na simplicidade. Vivemos situações de intimidade quando podemos compartilhar de momentos alegres ao lado de quem nos oferece ou para quem oferecemos o melhor que podemos fazer com aquilo que existe de mais simples.

O fato de poder viver as alegrias na simplicidade de um almoço ou jantar me torna uma pessoa realizada. Quando suas filhas dizem: “pai, sua comida é maravilhosa, a melhor do mundo!” no dia em que o prato principal é alguma elaboração com ovo, você tem certeza que o afeto está posto na mesa como ingrediente principal. Cada uma das mulheres da minha casa gosta de uma forma de preparo do ovo. Omelete com uma leve casquinha de queijo prato. Ovo frito com a gema mole, mas com a clara firme e um pouco de pimenta do reino. Omelete com cogumelos. Ovos levemente mexidos. Não se trata só de técnica. É saber o que o outro gosta. Trata-se de servir bem. Da união familiar pelas diferenças. É valorizar o sentir do outro. É sobre as alegrias de uma vida construída a partir do respeito das particularidades do outro. Só há intimidade quando se pode trocar experiências em afetos estruturados no respeito ao que o outro gosta.

A intimidade fora da casa é outro desafio. Você pode se considerar íntimo de uma pessoa quando for capaz de se sentir à vontade em oferecer um prato com ovo depois dela chegar na sua casa de surpresa! Nesse momento, você pode chamá-la de amiga/o, amor, queridas/os, e todas as expressões de afeição que são dedicadas a apenas algumas pessoas. O motivo é simples, o prato de ovo revela um vínculo afetivo que extrapolam as formalidades cerimoniais que a vida nos exige. A confiança de que o prazer está na convivência é maior do que a satisfação pelo paladar. É claro que o prato de ovo precisa estar bem preparado, mas o ingrediente principal de um bom lanche, almoço, jantar ou gulosice da madrugada é vontade de estabelecer uma boa relação.

Outra constatação é que nos lembramos mais e melhor do que comemos quando estamos em boa companhia. Você pode ir a um restaurante sofisticado para comer algo extremamente elaborado, mas se a companhia for ruim ou desagradável, a chance de você lembrar do que comeu é pequena depois de alguns anos. Ou pior, pode atribuir a um prato bem feito uma qualidade bem inferior do que ele mereceria pelo simples fato da má companhia acabar influenciando negativamente sua percepção sobre o prato degustado. Isso implica dizer que a culinária é um ato de afeto, no sentido de afetar a si mesmo e aos outros a partir do sentimento que se desenvolve entre as pessoas. É só lembrar do desenho Ratatouille e de como Ego, o crítico gastronômico, foi afetado pelas lembranças da infância após experimentar o prato de ratatoille!

É claro que poderíamos falar de outros alimentos que exercer a mesma relação, como, por exemplo, o arroz e feijão, a batata ou as sobremesas em geral. O que importa é que comer é um ato de disponibilidade em atender o outro, de dedicação para provocar as melhores sensações, de respeitar as particularidades. Para mim, poder oferecer um ovo frito, cozido, mexido, omelete, ou qualquer outra receita é poder dizer para as minhas mulheres que as respeito nas suas individualidades e que as amo. E para meus amigos que estou disposto a conhecê-los na intimidade e na simplicidade que a vida exige!


Francis Kanashiro Meneghetti é Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade e no Programa de Pós-Graduação em Administração pela Universidade tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

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