
Cauana Bourguignon Mestre Pedrali¹
Estamos vivendo uma situação extrema. A experiência inédita do isolamento social, o risco eminente e invisível, a saudade de quem se ama e a falta de intervalo nas relações que não podem mais respirar através dos espaços de tempo e distância. Estamos todos à mercê do desconhecido e, embora possamos fazer um trabalho de elaboração, não há racionalidade que nos salve da angústia.
Esse tipo de carga psíquica que produz uma sensação de excesso acompanha a vida de uma mãe ao longo de sua jornada. O nascimento de um filho também é uma situação extrema. Gestação, parto, puerpério, amamentação, volta ao trabalho e o reencontro com a mulher que ficou submersa nas ondas violentas da maternidade são vivências de extremo impacto. Ser uma mulher-mãe nunca foi muito fácil e, apesar de estarmos evoluindo em alguns aspectos no discurso social da maternidade, ainda estamos longe de oferecer às mulheres algum apaziguamento para a intensa tarefa de maternar nesse mundo.
Em meu consultório (que agora é online), as mulheres têm, de certa forma, suspendido as questões que vinham trabalhando em suas análises. Muitas coisas foram reformuladas e é preciso dar espaço para as novas angústias, em especial a maior delas: como dar conta de tudo em meio à pandemia? A resposta óbvia e justa seria: não dar. Dizer não à lógica da produtividade na sociedade do consumo rápido é um ato de resistência e as mulheres são especialistas em resistir às opressões sociais, disso nós sabemos bem. Mas a subjetividade humana não funciona no plano do óbvio, muito menos do plano da resposta. Por mais sofrimento que essa face “multitarefa” possa causar a uma mulher, o trabalho para sair desse lugar é árduo e, muitas vezes, absolutamente solitário.
Uma expressão que ficou conhecida nos últimos tempos, através da discussão a respeito do trabalho incansável das mulheres no mundo moderno, é “rede de apoio”. Levamos um tempo para conseguir dizer que essa rede de apoio não inclui o pai da criança que, na verdade, é a outra parte da responsabilidade e não pode ser considerado apenas como fator de auxílio. Avançamos com isso e seguimos evoluindo, mas o trabalho emocional das mulheres-mães é infinitamente maior na maioria das famílias.
O peso da parentalidade não costuma ser o mesmo para mulheres e homens. A função de uma mãe não se resume a alimentar um filho, por exemplo, mas inclui a preocupação com a alimentação (e são as mães, geralmente, que buscam a nutricionista quando algo não vai bem), com o desenvolvimento físico da criança, com a lista de mercado que deve incluir todas as vitaminas das quais o filho precisa para crescer saudável. Carteira de vacinação, reuniões escolares, livros, desenvolvimento pedagógico e social (e são as mães, também, que geralmente buscam psicólogos ou psicopedagogos em caso de necessidade), consultas médicas, aulas extracurriculares, livros, acolhimento emocional, a lista é interminável. Uma mãe vive em constante estado de alerta, observando a vida dos seus filhos, tentando evitar seu sofrimento. Isso, claro, é uma fantasia, e esse é mais um dos trabalhos que uma mulher-mãe precisa fazer: reconhecer e internalizar a falta e suas impossibilidades enquanto coisas absolutamente estruturantes. Não se pode (e não se deve) ser tudo para um filho.
Mas devemos ir além com nossa reflexão. Não nos esqueçamos de que essa fantasia é sustentada e reforçada pelo discurso social. Estamos levando as mulheres à boca do sofrimento, ou porque achamos que são inferiores, ou porque acreditamos que são fortes. Lacan, um psicanalista francês, disse que “A mulher não existe”, isso que dizer que as mulheres não são generalizáveis em seu desejo e singularidade. Entender que cada uma inventa um jeito de habitar este mundo enquanto mulher, nos leva a diminuir significativamente a cobrança, mas estamos longe de fazer isso enquanto sociedade. Ainda estamos no campo das cadeias e linhas de produção, onde é preciso alcançar e realizar de forma exaustiva.
Enquanto o trabalho com os filhos caminha para o infinito, a carreira não deixa de mandar lembranças. O mundo corporativo dificilmente exclui as mulheres da lógica das metas. Mesmo na pandemia, em que os filhos não estão na escola e alguns deles são pequenos e demandam muita atenção, várias empresas continuam pedindo o mesmo nível de entrega das mulheres, o que as deixa presas no lugar da frustração e da ferocidade da culpa, com a sensação de serem completamente insuficientes em todas as esferas da vida. Se existe algo que podemos aprender com essa pandemia é que sempre é tempo (e agora é mais tempo do que nunca) para rever as relações que construímos, inclusive com o trabalho. Não é possível dar conta de tudo e o mundo não precisa disso. Nossos filhos não precisam disso. Nós não precisamos disso.
O que precisamos é colocar esses temas em debate de forma veemente e não nos esquecermos de que há uma parcela imensa de mulheres brasileiras que vivem sem direito de escolhas. Precisamos saber que existirá uma sociedade lá fora, no mundo pós pandemia, que será capaz de entender que a beleza do feminino e da maternidade não está na ordem, no funcionamento ou na multiplicidade de tarefas executadas, mas justamente na pausa, no tempo, no respiro, na habilidade de dar as mãos à falta. Legitimar a subjetividade humana é uma competência da posição feminina que pode e deve ser adotada também pelos homens. Esse é um desafio social e democrático, e ele nunca foi tão urgente.
¹Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e especialista em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Como citar:
PEDRALI, Cauana Bourguignon Mestre. O trabalho emocional das mulheres. In: Nuevo Blog, 25 Jun. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/06/25/o-trabalho-emocional-das-mulheres/. Acesso em: ??
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