
Cynara Almeida Amaral Piruk¹
A escritora paraguaia, Susana Gertopán, pouco conhecida no Brasil, nasceu em Assunção em 1956 e é descendente de judeus que fugiram da Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Sua literatura foi publicada em antologias, periódicos e revistas do seu país e do exterior. Por isso, a autora apresenta narrativas que trazem suas marcas culturais e muitas memórias de imigrantes judeus que fugiram do Holocausto.
A autora já publicou onze romances e dois contos em língua espanhola, alguns foram publicados em outros idiomas como o inglês e o alemão. Apenas uma de suas obras foi publicada em português. As obras de Susana Gertopán foram publicadas pela Editora Servilibros, no Paraguai, e algumas delas já foram traduzidas para o inglês e para o alemão: Barrio Palestina (1998); El nombre prestado (2000); El retorno de Eva (2004); El otro exilio (2007); El equilibrista (2009); El callejón oscuro (2010); El guardián de los recuerdos (2012); El fin de la memoria (2014); El señor Antúnez (2015); Primera Pregunta (2017); Todo pasó en setiembre (2019). Também possui dois contos publicados: “Una noche especial” (1992); “7285” (1995).
Dentre suas publicações, destaca-se a narrativa El callejón oscuro (2010), obra que recebeu o prêmio de literatura no Paraguai. O livro inicia com uma troca de cartas entre primos. No primeiro capítulo, o primo Ariel escreve para seu primo José, pedindo ajuda para relembrar um fato marcante e assustador ocorrido com eles no callejón oscuro (“beco escuro”, em português), em Assunção, quando eram adolescentes. José é o protagonista e o narrador da história e responde à carta a partir do segundo capítulo que, assim como os demais, são anotações e cartas escritas em resposta ao seu primo. A obra está ambientada no período da ditadura no Paraguai, o que levava o povo a viver um autoexílio. José nasceu em Assunção, Paraguai, mas toda sua família era imigrantes judeus poloneses, mas, apesar de buscarem exílio naquele país, viviam com medo do governo e sentiam muitas saudades de sua pátria.
José então rememora o período de sua adolescência, a vida cotidiana no bairro Pettirossi, em Assunção, onde viviam os imigrantes judeus. Também se recorda de como era seu relacionamento com seus pais, com os amigos do bairro, suas descobertas e novas amizades do Mercado 4.
Os pais de José tinham uma loja onde vendiam roupas. Os imigrantes que se instalaram naquele bairro abriram seus comércios, mas se mantinham ilhados em sua cultura, tradição, língua, religião e memórias traumáticas. Desobedecendo aos conselhos de seus pais, o protagonista ousa atravessar a avenida principal do seu bairro para conhecer o Mercado 4 (do lado paraguaio), onde encontrou outros comerciantes, camponeses paraguaios e indígenas, que lhes apresentaram um novo mundo cheio de riquezas culturais.
Naquele mercado, os paraguaios também viviam exilados: os camponeses com seu idioma guarani e pobreza; os indígenas com seu idioma maacá, seus artesanatos, com abandono e miséria. Lá eles se reuniam para vender suas ervas medicinais, trabalhos manuais e alimentos. A avenida que separa o bairro Pettirossi do Mercado 4 representa uma fronteira física e psicológica que divide as duas culturas (judeus x paraguaios). Ao cruzar as margens, José aprende outras línguas indígenas, descobre as ervas medicinais e faz novas amizades com paraguaios.
Do outro lado da avenida também existia o callejón oscuro, um lugar de comércio ilegal, prostituição, abusos e miséria humana. José é atraído para esse lugar misterioso e proibido, e ao se relacionar com aquelas pessoas, o rapaz se compadece e tenta ajudá-los. O final da narrativa informa que José, ao se tornar adulto, decidiu trabalhar no beco escuro, onde abriu um consultório de terapia e medicina alternativa. Ao fazer essa escolha profissional, José mostra amadurecimento e que sua identidade cultural havia se tornado híbrida. Ele se reconhecia como parte daquele país e daquele povo e por isso decidiu não seguir os sonhos dos seus pais — que fizesse uma faculdade e voltasse a morar na Polônia.
Ao cruzar as margens do seu bairro e da tradição judaica, o protagonista tem a oportunidade de refletir sobre a própria identidade e alteridade. A identidade é como um processo de construção permanente e em constante reelaboração. Vários são os traços que denotam o amadurecimento da personagem, adotando novos conceitos ao longo da narrativa. Tendo a língua como uma referência de identidade, José, num primeiro momento, não conhece e não vive uma identidade paraguaia. A narrativa relata que o protagonista falava iídiche (língua judaica) entre os familiares e havia aprendido espanhol na escola. Posteriormente, ao fazer amizade com outros paraguaios e indígenas do Mercado 4, ele aprendeu a falar guarani.
A literatura memorialística de Susana Gertopán, especialmente a narrativa apresentada neste texto, possibilita que as memórias coletivas e sociais dos imigrantes judeus e da sociedade paraguaia, vivenciada no período pós-guerra, sejam perpetuadas.
A autora paraguaia escreve as memórias vivenciadas por ela e por seus familiares, atribuindo a devida importância à preservação e ao cultivo da memória. E, através dessa obra memorialística, El callejón oscuro, traz a representação da identidade cultural do seu povo, tanto dos imigrantes quanto dos paraguaios. A leitura de obras da literatura paraguaia proporciona muitas descobertas e contribui para nossa identificação como povo latino sul-americano.

¹Mestre em Letras na área de Literatura e Práticas Culturais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Especialista em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Graduada no curso de Licenciatura em Letras (Português/Espanhol) pela UEMS. Atualmente é revisora de textos da Editora da UFGD.
Como citar
PIRUK, Cynara Almeida Amaral. A Literatura Memorialística de Susana Gertopán. In: Nuevo Blog, 11 Jul. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/07/11/a-literatura-memorialistica-de-susana-gertopan/. Acesso em: ??
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