PANDEMIA ou SINDEMIA? O desafio do Direito Humano à Alimentação Adequada

Fonte: Site Meu Pratinho Saudável (30 jul. 2015).

Tatiana Tomal Brondani dos Santos¹

O ano de 2020 ficará marcado na história pela pandemia do COVID-19. Apesar do foco sanitário, a pandemia e seus efeitos impactaram praticamente tudo e todos! Além dos impactos na saúde, observamos dentre outros efeitos, a suspensão das aulas escolares; obrigatoriedade de fechamento de restaurantes e bares obrigando mudanças na forma de se alimentar de muitas pessoas; uma inquietação generalizada pelo medo de desabastecimento de alimentos em mercados; ou ainda, empreendimentos que vem sendo fechados devido à crise financeira que se instala.

Sendo algo vital e indispensável a nossa vida, a alimentação torna-se prioritária nesta problemática. Na verdade, desde sempre a alimentação deveria ser considerada prioritária! E é nesse contexto que surge o questionamento: estamos enfrentando apenas a pandemia do COVID-19? De acordo com relatório da Comissão do The Lancet, NÃO! Eles afirmaram em janeiro de 2019 a existência de três pandemias simultâneas no mundo, uma chamada SINDEMIA GLOBAL, composta pelas pandemias da fome; do sobrepeso e da obesidade; e das mudanças climáticas (SWINBURN et al., 2019).

Sabemos que a urbanização e a globalização acelerada dos últimos anos levaram muitos de nós a trocar uma refeição saudável em família por um “lanche rápido na rua”. Essa mudança no padrão alimentar da população vem sendo acompanhada pelo aumento do sobrepeso e da obesidade, e consequentemente de agravos à saúde.

Esse modo de vida contemporâneo tem impactado também em nosso meio ambiente. Mudanças climáticas vem sendo observadas como a atual crise hídrica do Estado do Paraná.

E a fome, apesar de diversas tentativas de erradicação ao longo dos anos, ainda permanece entre nós. Sua erradicação depende cada vez mais de uma maior equidade no acesso de toda a população aos alimentos que são produzidos e não do aumento na produtividade dos alimentos, como defendia-se na época da Revolução Verde.

Percebemos assim, que antes mesmo da pandemia do COVID-19, o mundo já enfrentava essa SINDEMIA GLOBAL com alto custo social e de vida, e com determinantes comuns ligados aos sistemas de alimentação, transporte, urbanismo e uso da terra (SWINBURN et al., 2019). Muitas vezes negligenciada por apresentar efeitos mais difusos no tempo, essa sindemia é um grande desafio a ser enfrentado pelas pessoas, ambiente e planeta.

Voltando a nossa questão inicial, podemos afirmar portanto que enfrentamos uma Sindemia Global, na qual a pandemia do COVID-19 soma-se as demais pandemias da fome, do sobrepeso e obesidade, e das mudanças climáticas.

Para o enfrentamento dessas pandemias e dos desafios urgentes que surgem com a pandemia do COVID-19, torna-se necessário repensar nosso sistema alimentar em uma compreensão de maior sustentabilidade em prol da garantia do DIREITO HUMANO A UMA ALIMENTAÇÃO ADEQUADA. Por mais que a alimentação seja um DIREITO garantido em nossa Constituição Federal, muitos brasileiros ainda vivenciam a fome diariamente.

Nosso modelo alimentar predominante possui grande relação com a existência dessa Sindemia Global. Apresenta-se vulnerável ao considerar o alimento uma mercadoria submetida às flutuações dos mercados financeiros privados e não um direito da população. Associado a uma regulação insuficiente da indústria de alimentos, resulta na oferta indiscriminada de alimentos industrializados prontos para consumo, nem sempre considerados saudáveis.

No histórico de políticas alimentares brasileiras possuímos exemplos de ações, que caso replicadas em um contexto atual poderiam representar riscos aos direitos já garantidos e a SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL da população. Políticas que visavam apenas o incremento da produtividade de alimentos, via modernização da agricultura, agravaram as crises ambientais e alimentares, sem resolver o problema da fome.

Atualmente temos como exemplos as políticas de concessão de isenções de impostos para agrotóxicos ou para bebidas açucaradas, que somam milhões de reais não arrecadados além do incentivo a comercialização desses produtos com efeitos prejudiciais à saúde. Soma-se a esse cenário a recente liberalização generalizada de agrotóxicos pelo governo federal, a qual representará maior volume de recursos não arrecadados. Além disso, representam ainda perdas financeiras futuras necessárias para reparação de danos ambientais e a saúde humana trazidos pela utilização de agrotóxicos em larga escala na produção de alimentos.

Precisamos refletir sobre a incoerência existente na liberação de tais isenções tributárias e a inexistência de isenções similares a comercialização de alimentos considerados saudáveis. Num contexto de enfrentamento de múltiplas pandemias, onde a alimentação e o meio ambiente estão gravemente sendo afetados, é necessário refletirmos se as isenções concedidas não deveriam priorizar a produção de alimentos saudáveis e com menor impacto ao meio ambiente ao invés de produtos químicos que vão em sentido contrário a essa necessidade.

Além dos impactos imediatos vivenciados na pandemia do COVID-19, em breve vivenciaremos uma crise em diversos setores. Com essa, a queda da demanda impactará o sistema alimentar, e consequentemente os agricultores, principalmente os agricultores familiares. Um maior número de pessoas possuirá maior dificuldade de acesso aos alimentos, devido ao desemprego e com isso a demanda por políticas assistenciais aumentará.

Nesse contexto, tão importante quanto interromper a disseminação do COVID-19, se torna a necessidade de garantir que a crise da saúde não leve o país a uma crise alimentar. Frente a essa crise sistêmica que vivenciamos, torna-se fundamental, além de outras medidas, o fortalecimento de políticas públicas que forneçam respostas articuladas ao promover um sistema alimentar sustentável. O Programa de Aquisição de alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar são bons exemplos de tais políticas públicas ao aliarem o acesso de agricultores familiares ao mercado institucional junto a garantia da SAN de seus beneficiários consumidores, potencializando o emprego de um recurso público para o alcance de múltiplos resultados.

O cenário atual aponta para um futuro de incertezas, onde com o agravamento da crise financeira consequentemente se instala o aumento do desemprego que leva ao aumento da pobreza, da fome, da vulnerabilidade e das situações de Insegurança Alimentar e Nutricional. Enquanto um dos objetivos do desenvolvimento sustentável, o desafio da erradicação da fome torna-se cada vez mais distante de ser alcançado.

Nesse momento de priorização da atenção de ações governamentais ao combate do COVID-19 e as consequências deste na população, torna-se de extrema importância que sejam planejadas políticas públicas e programas que não agravem ainda mais as demais pandemias existentes, e prezem pela garantia do DIREITO Humano à Alimentação e Nutrição Adequada à nossa população.

Referências:

SWINBURN, B. A. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. The Lancet, [S. l.], v. 393, n. 10173, p. 791–846, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32822-8 1.3.6.1.5.5.

¹Nutricionista graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com Especialização em Segurança Alimentar e Nutricional pelo Instituto de Biociências de Botucatu – UNESP e em Gestão Pública com Habilitação em Políticas Públicas pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Governança Pública da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Vinculada ao Grupo de Pesquisa de Planejamento Público, Economia e Direito (PED).

Como citar
SANTOS, Tatiana Tomal Brondani dos. PANDEMIA ou SINDEMIA? O desafio do Direito Humano à Alimentação Adequada. In: Nuevo Blog, 13 Jul. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/07/13/pandemia-ou-sindemia-o-desafio-do-direito-humano-a-alimentacao-adequada/ . Acesso em: ??

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