Grounded Theory [resenha teórica]

Por Herminda A. Bulhões da Silva Hashimoto e Kamille Ramos Torres

Esta resenha teórica tem por objetivo, trazer um diálogo sobre as ideias e conceitos propostos pelos autores do livro Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais[i], dos artigos Usos e Aplicações da Grounded Theory em Administração[ii] e A critique of using grounded theory as a research method[iii], que serão os textos base deste trabalho, no entanto, serão utilizadas algumas referências complementares para compor esta discussão sobre a Grounded Theory (GT), ou também conhecida como “teoria fundamentada nos dados”.

Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) explicam que a GT tem inúmeras definições, podendo, inclusive, ser tratada como um método de pesquisa. Goulding (2001[iv]) define a GT como uma metodologia para o desenvolvimento da teoria fundamentada nos dados que são coletados e analisados de forma sistemática. Goulding ainda afirma que a GT é um método qualitativo tendo semelhanças com outros métodos, como a etnografia e a fenomenologia. Segundo Allan (2003), GT é um “poderoso” método de coleta e análise de dados de pesquisa descoberto por Glaser e Strauss (1967). Para Oliveira (2009, p. 20) a GT pode ser definida como “um conjunto de princípios e práticas sistemáticas, porem flexíveis, que guiam a coleta de dados qualitativos e que tem por objetivo a construção de teorias fundamentadas nesses dados”. Deste modo, a GT não possui um consenso em sua definição.

A GT foi desenvolvida pelos sociólogos Barney Glaser e Anselm Strauss na década de 60. A GT tinha por objetivo buscar explicações com a mínima intervenção do pesquisador, pois o mesmo não deveria forçar pressupostos ou conceitos teóricos existentes para interpretar os dados, mas permitir que o fenômeno fosse revelado, ou seja, a teoria deveria emergir dos dados[v].

Inicialmente, Glaser e Strauss incentivavam os pesquisadores a usarem o método de forma flexível, mas com o tempo, eles mesmos mudaram sua compreensão sobre esta concepção e divergiram opiniões que os levaram a uma divisão acarretando em duas correntes: uma por Glaser e a outra por Strauss e Corbin[vi]. A crítica que Glaser (1992) fez sobre a versão de Strauss e Corbin é a de que “ela não pode ser chamada de Grounded Theory, pois fere o princípio da ‘emersão’ da teoria ao forçar pressupostos do pesquisador na análise dos dados”[vii]. Por conta destas correntes teóricas, é comum encontrar na literatura, diferentes definições e interpretações sobre a forma de utilizar a metodologia GT nas pesquisas.

A metodologia do GT tem sido utilizado tanto por pesquisadores alinhados nos paradigmas positivitas e pós-positivas, quanto os que seguem o paradigma construtivista. Diante a abordagem construtivista, Oliveira (2009), traz a definição de Charmaz (2006), que tem por preferência, intitular de grounded theory methods, no plural, por querer referenciar as diversas interpretações e possíveis formas de utilização do método.  

Para fazer uso da Grounded Theory não é necessário fazer a formulação de um problema inicial ele emerge do processo de pesquisa, assim, como também não há resgates conceituais na literatura[viii], o que Bianchi e Ikeda (2008) discordam, para elas é necessário criar questões de pesquisas, ainda que abertas para direcionar a pesquisa e corroborar com a análise de dados que necessita ser profunda. Allan (2003) em relação a sua experiência pessoal informa que é difícil entrevistar sem ideias preconcebidas, o tempo e recurso dos seus entrevistados não permitiram investigações desfocadas.

Pinto e Santos (2012[ix]) afirmaram terem ido a campo com um objetivo definido, porém, concordaram com Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) ao não conceber seu projeto com uma teoria pré-definida. Sobre isso Allan (2003) explica que é um equivoco que pesquisadores têm da premissa de Glaser e Strauss (1967) quando dizem que se deve ir a campo antes de um conhecimento da literatura. Apesar de Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) reconhecerem que o método é crítico quanto ao uso de literatura, eles defendem que é importante ter um prévio conhecimento do estado da arte da área, porém, eles afirmam que a teoria emerge do campo e por isso, não se define nada antecipadamente.

Oliveira (2009) cita que Glaser e Strauss (1967), em sua descrição original do método, afirmaram que o pesquisador deve fazer a revisão de literatura somente após a ida ao campo, porém isso foi reformulado por Glauser e Strauss em outros trabalhos. Nesse contexto, Oliveira (2009) opta por fazer uso do que o autor Charmaz (2006) recomenda, ou seja, que se faça a revisão de literatura antes do início do trabalho de campo.

Na pesquisa desenvolvida por Pinto e Santos (2012) foram utilizadas entrevista e observação participante, além do uso da etnografia como método atrelado ao GT. Allan (2003) utilizou a entrevista.  Oliveira (2009) declarou que fez uso da entrevista em profundidade, uma pesquisa quantitativa através do uso de questionário, a experiência da convivência que a autora teve com seu objeto de estudo e o uso de dados secundários. Seidel e Recker (2006) utilizaram como estratégia para a coleta de dados, entrevistas semi-estruturadas, modelagens de processos e análise de documentos. É recomendado que se faça uso de várias fontes de coletas de dados, como: entrevistas, observações participantes, pesquisas em documentos, entre outros[x].

É necessário, ainda, criar um grupo para que a teoria seja formulada adequadamente[xi]. A GT tem como estratégia de seleção dos participantes a amostragem inicial e a amostragem teórica, a amostragem inicial é o que se determina por meio do problema de pesquisa para que a pesquisa tenha um início, quando o pesquisador está em campo surgem novas questões e categorias, e a coleta passa a ser feita até a saturação teórica[xii]. Assim, Allan (2003) e Oliveira (2009) dentro de seu grupo alvo buscaram a saturação teórica, conforme Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) citam como item importante para o processo de coleta e análise de dados.

Os autores Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) apresentam três importantes características desse processo de pesquisa. A primeira característica, se refere a mescla entre sensibilidade e objetividade do pesquisador. A segunda característica é a alternância entre as fases de coletas e análise dos dados[xiii]. A terceira característica, segundo os autores, se refere à interação entre o pesquisador e a realidade dos sujeitos, formulando assim uma teoria substantiva de qualidade.

Citando Glaser e Strauss (1967), Glaser (1992) e Strauss e Corbin (1998), os autores afirmam que a comparação é um procedimento importante para a análise dos dados, sendo que há dois tipos de comparação: teóricas e incidente-incidente. A comparação teórica é feita no início do processo de pesquisa ou quando algo novo surge, ela contribui para a definição de categorias[xiv]. Para os autores, essa fase exige do pesquisador uma introspecção.

Já a comparação incidente-incidente, conforme explicam os autores, é feita quanto já se tem definido as categorias, assim, ao se ter um novo incidente com as mesmas propriedades de alguma categoria já identificadas, elas são associadas[xv]. Quando novos incidentes “[…] observados nos dados brutos se encaixarem […] em uma determinada categoria já constituída[…]”[xvi] a tendência é a de “[…] aumentar a sua fundamentação empírica. Caso contrário, quando um novo incidente fica “sem lugar” […], uma nova categoria pode estar começando a emergir dos dados”[xvii].

Após todo esse processo, o pesquisador define um leque de propriedades, que são validadas nos dados[xviii]. A validação ocorreria por meio da comparação incidente-incidente, de acordo com os autores. Essas idas e vindas confere ao GT uma lógica de inferência abdutiva[xix], já que qualquer categoria conceitual que emerge dos dados é considerada provisória e necessita de validação[xx] .

Allan (2003) e Oliveira (2009) afirmam que é importante que a análise de dados seja realizada já no início da pesquisa, após a primeira coleta. Pinto e Santos (2012) afirmaram que realizaram dessa maneira, eles compararam os dados coletados pela entrevista com as observações. Além disso, os autores informaram que o primeiro autor fez toda a observação estando diretamente em contato com o grupo, enquanto que o segundo autor confrontava o primeiro sobre a forma que os dados foram analisados. Bandeira-de-Melo e Cunha (2006) afirmam que é importante que o pesquisador se afaste dos dados e analise criticamente a situação.

A alternância entre a coleta e análise de dados também é existente no processo de codificação, a questionamentos são dadas respostas provisórias e essas respostas são checadas e melhoradas ao longo das três fases de codificação: aberta, axial e seletiva[xxi]. A codificação aberta é a fase em que o pesquisador transcreve e analisa o material coletado, gerando palavras-chaves ou conceitos, o pesquisador categoriza os dados[xxii] .

Na codificação axial o pesquisador reorganiza as categorias geradas para relacionar uma com a outra e gerar a teoria substantiva[xxiii] . Já a codificação seletiva “[…] integra a teoria desenvolvida, examinando possíveis incoerências, categorias com fraca fundamentação empírica ou relações não estáveis”[xxiv], mesma codificação utilizada por Pinto e Santos (2012) e Seidel e Reicker (2009[xxv]). Oliveira (2009) também utiliza três fases de codificação, porém conforme descrição de Charmaz (2006), ou seja, a codificação inicial, a codificação focada e a codificação teórica. Para Charmaz (2006[xxvi]) a codificação inicial é igual a codificação aberta,  a codificação focada é menos rígida que a axial e a codificação teórica não envolve a criação de uma categoria central como a seletiva propõe.

Para Bandeira-de-Melo e Cunha (2006), a teoria emerge da interação do pesquisador com os dados sendo que o resultado final é um consenso do pesquisador com os sujeitos. O “[…] pesquisador deve ser capaz de evitar pressupostos e ser levado por eles durante o processo interpretativo. O pesquisador deve ser flexível e manter a mente aberta a novos insights […]”[xxvii].

Para garantir que se tenha uma boa prática de pesquisa, os autores citam algumas técnicas descritas por Guba e Lincoln (1982), Merriam (1998) e Strauss e Corbin (1998): a triangulação, o ataque à teoria, checagem com os sujeitos, longo tempo no campo, amostragem em diferentes contextos e auditorias. Pinto e Santos (2012) descreveram as técnicas que foram utilizadas para melhorar a teoria gerada em sua pesquisa, foram: triangulação, checagem com os entrevistados, tempo no campo (foram 14 meses) e auditorias.

A aplicação da GT na Administração pode ser proveitosa, porém deve se ter o cuidado para não criar uma teoria sem relevância[xxviii]. De acordo com os autores, para o uso da GT é necessário que os pesquisadores menos experientes tenham ciência de que esse método é complicado, já que ele deve adentrar ao mundo dos pesquisados e ao mesmo tempo se distanciar para que a teoria substantiva possa emergir, além disso, são necessários grandes períodos de tempo para que o método seja realizado e tudo isso associado a programas de scripto sensu pode resultar em teorias inacabadas[xxix] .


[i] BANDEIRA- DE-MELO, Rodrigo; CUNHA, Cristiano José Castro de Almeida. Grounded Theory. In: GODOI, Christiane Kleinübing; BANDEIRA-DE-MELO, Rodrigo; SILVA, Anielson Barbosa da.. Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. Editora Saraiva, 2006.

[ii] BIANCHI, Eliane Maria Pires Giavina, IKEDA, Ana Akemi. Usos e Aplicações da Grounded Theory em Administração. Revista Gestão.Org. v.6, n.2, 2008.

[iii] ALLAN, George. A critique of using grounded theory as a research method. Electronic Journal of Business Research Methods. v.2, n.1, 2003.

[iv] Idem item ii.

[v] Idem item i.

[vi] OLIVEIRA, Lucia Barbosa de. Construindo uma carreira em Administração: perspectivas e estratégias de jovens universitários do Rio de Janeiro. (Tese de Doutorado em Administração). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.

[vii]Idem item i, p. 243-244.

[viii] Idem item i.

[ix] PINTO, Marcelo de Rezende; SANTOS, Leonardo Lemos da Silveira. A Grounded Theory como abordagem metodológica: relato de uma experiência de campo. Organização e Sociedade. v.19, n. 62, 2012.

[x] Idem item i.

[xi] Idem item ii.

[xii] Idem item vi.

[xiii] Idem item i.

[xiv] Idem item i.

[xv] Idem item i.

[xvi] Idem item ix, p. 421.

[xvii] Idem item xvi.

[xviii] Idem item i.

[xix] BANDEIRA- DE-MELO, Rodrigo; CUNHA, Cristiano José Castro de Almeida. Grounded Theory. In: GODOI, Christiane Kleinübing; BANDEIRA-DE-MELO, Rodrigo; SILVA, Anielson Barbosa da.. Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. Editora Saraiva, 2006.

PINTO, Marcelo de Rezende; SANTOS, Leonardo Lemos da Silveira. A Grounded Theory como abordagem metodológica: relato de uma experiência de campo. Organização e Sociedade. v.19, n. 62, 2012.

[xx] Idem item ix.

[xxi] Idem item i.

[xxii] BANDEIRA- DE-MELO, Rodrigo; CUNHA, Cristiano José Castro de Almeida. Grounded Theory. In: GODOI, Christiane Kleinübing; BANDEIRA-DE-MELO, Rodrigo; SILVA, Anielson Barbosa da.. Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. Editora Saraiva, 2006.

BIANCHI, Eliane Maria Pires Giavina, IKEDA, Ana Akemi. Usos e Aplicações da Grounded Theory em Administração. Revista Gestão.Org. v.6, n.2, 2008.

[xxiii] Idem item xxii.

[xxiv] Idem item i. p.253.

[xxv] SEIDEL, Stefan; RECKER, Jan C. Using grounded theory for studying business process management phenomena. In: The 17th European Conference on Information Systems. Faculty of Economics of the University of Verona, Verona, 2009.

[xxvi] Idem item vi.

[xxvii] Idem item i, p. 254.

[xxviii] Idem item ii.

[xxix] Idem item i.


Herminda A. Bulhões da Silva Hashimoto é Mestre em Administração pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Kamille Ramos Torres é Mestre em Administração pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

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