
Vivian Bonfim¹
Whiplash, filme estrelado por Miles Teller e J. K. Simmons conta a história de um jovem músico e do professor, mestre do jazz. O desejo de Andrew em ser um grande baterista se esbarra na conduta abusiva do professor, Terence, com ele e com os outros alunos.
Terence, muito exigente, dita algo que se aproxima de uma perfeição, que para ele, há uma. Cabe ao jovem músico ceder. Para isso, Andrew se vê correspondendo a demanda desse outro. Ele é o escolhido pelo professor para fazer parte de sua banda e isso mascara a verdadeira intenção deste, de apreensão do desejo do outro. O rapaz é uma vítima de uma relação abusiva que fica velada por essa escolha do ideal do professor. Então, Andrew sente as consequências dessa interdição, porque o lugar do pupilo é muito atraente entre os estudantes ali.
O filme parece querer mostrar que para ser perfeito precisa doer. E, ainda que houvesse perfeição, precisaria doer? É uma ilusão o garoto achar que pode desejar qualquer coisa, como ter um encontro com a mocinha. O que dói, para além da exigência física é a dor velada através da anulação do seu desejo. Andrew está a serviço do desejo do professor e não do dele. Até para o maior aceite da castração, um sujeito precisa continuar desejando o SEU desejo. O que Andrew parece querer provar é que consegue corresponder aos desejos do professor.
Qual o desejo do professor? É aí que mora o perigo. O professor quer músicos perfeitos. Whiplash, o açoite. O carrasco ali chicoteia seus músicos a serviço de seu gozo. O jovem músico, com muita delonga começa a ver as consequências disso e precisa fazer outras escolhas. É aí que mora o desejo: na falta. A falta sustenta um sujeito desejante. Mas não quer dizer que para isso ele precise sentir-se doer.
Muitas vezes assim acontece conosco. Até que doa não geramos mudança. Até sangrar continuamos nos colocando a mercê do desejo do outro. A intimidação empregada pelo professor escorrega por entre os alunos, que, quando a um alvo é direcionado o abuso os outros parecem gozar juntos da sensação de imprestabilidade que o alvo é colocado. “Menos um”, parecem pensar. “Menos concorrência”. O professor coloca esses alunos como imprestáveis, insuficientes, in, in, in.
O que mais marca essas relações que o filme traz é a saída que Andrew dá para sustentar seu desejo, que é através de uma relação abusiva. O ganho, para ele, é ser instruído por aquele gigante professor. Terence se usa da empolgação dos alunos em querer ser grandes músicos para inscrever ali sua conduta de carrasco. O professor também parece sofrer de algo. Ele mostra alguns sintomas obsessivos. Quando um obsessivo lança para o outro suas interdições, geralmente interdição do desejo do outro, chegando ao ponto de anulação do outro, ele canta vitória quando esses outros são diminuídos, reduzidos a verdadeiros ignorantes até de si mesmos. “Cantar vitória” aí pode parecer algo muito feliz, colorido, mas quando um obsessivo alcança seu objetivo, nada é colorido para ninguém, nem para ele mesmo.
Tudo é cinza.
¹Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Como citar
BONFIM, Vivian. A apreensão do desejo do outro nas relações abusivas. In: Nuevo Blog, 20 Jul. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/07/20/a-apreensao-do-desejo-do-outro-nas-relacoes-abusivas/ . Acesso em: ??
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