
Maria Sara de Lima Dias¹
Paula Caldas Brognoli²
A mulher migrante ao mesmo tempo em que sofre a precarização e superexploração do trabalho também participa em lutas coletivas em um movimento social maior e que representa um desejo comum, de que tal luta ainda que por vezes seja individual seja promotora de outras mulheres em semelhantes condições sociais. As lutas políticas das mulheres por vencerem os obstáculos tramados no seio de uma sociedade dominada por uma racionalidade machista e patriarcal, revela muitas dimensões, uma em particular chama a atenção, a sua disponibilidade de tomar decisões morais em busca do bem comum e do coletivo familiar. Assim, se o controle que historicamente foi imposto entre os papéis assumidos na vida privada, no cuidado do lar e na vida pública na manutenção deste a modernidade reafirma uma peregrinação das mulheres de todo o mundo por melhores condições de trabalho e estudo configurando novos espaços de subjetivação social.Uma distância entre o mundo real de opressão no qual foram proibidas de ocuparem espaços laborais em determinadas atividades e buscar outro lugar e espaço em que suas vidas estejam relacionadas a um sentido de respeito a seus próprios projetos de vida. Assim muitas determinações sociais, econômicas e políticas levam milhares de mulheres em todo o mundo a mudar o seu cotidiano, buscando uma revolução de si para atingir um ideal coletivo de inclusão.
Reflexos da pandemia:
Trabalhadores e trabalhadoras migrantes, obrigados primeiro a sair de casa para buscar oportunidades de trabalho e agora obrigados a voltar para casa após perderem emprego devido à pandemia da Covid-19 enfrentam agora desemprego e pobreza em seus países de origem, e aqueles que não foram obrigados a voltar para casa, são lotados em ocupações menores e menos remuneradas, em trabalhos desqualificados e degradantes. As mulheres migrantes podem ser forçadas a retornar a seus países de origem, com frequência são países de baixa e média renda, onde os mercados de trabalho, que já eram frágeis antes da pandemia, estão agora mais enfraquecidos pela pressão adicional do alto desemprego e da grave interrupção nas atividades econômicas. Em situações de crise como a vivida na pandemia são as mulheres migrantes ao mesmo tempo as trabalhadoras essenciais na saúde pública. Em todo o mundo a circunstância facilitou a entrada no trabalho das mulheres enfermeiras, médicas, cientistas, mesmo aquelas que estavam na condição de sem papéis no momento da migração. De modo impressionante a catástrofe do coronavírus integrou mulheres trabalhadoras, ainda de que forma temporária e precária, para Cristiane Andrade et al (2020[i]) o trabalho no processo migratório, está relacionado com a sobrevivência e em geral é uma migração forçada. Concordamos com a autora com respeito ao problema da migração forçada que interrompe um projeto de vida e seus papel muitas vezes danoso a saúde da mulher migrante. Que possui mais vulnerabilidade para o contágio, tendo em conta que mulheres de países em condições de subdesenvolvimento, migram em condições precárias, em balsas, em botes , em navios ou mesmo a pé, migram em subcondições, ou em condição de miséria. Segundo Eliany Oliveira e outros (2019[ii], p. 184), “o trabalho pode figurar como um dos motivadores centrais para o processo de migração e ponto principal de estruturação da vida particular e social dessas mulheres, deve-se considerar que a situação de precariedade laboral contribui para uma inserção social frágil, marcada por segregação, exploração e estigmatização”. A iniciativa conjunta da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Rede Brasil do Pacto Global e ONU Mulheres realizará sua quinta edição no segundo semestre de 2020 e seguirá promovendo workshops de formação para a empregabilidade dessa população, agora no ambiente virtual, diante dos desafios impostos pela pandemia da COVID-19. O projeto “Empoderando Refugiadas”, que promove o acesso de mulheres em situação de refúgio ao mercado de trabalho brasileiro desde 2015.
A distância de seus objetivos laborais fornece um fator determinante na condução das mulheres para a busca de novos espaços, inseridas nesses processos sociais, se faz trilhar caminhos de uma subjetividade que é individual e social ao mesmo tempo. Sabemos que se precisa ter um mundo mais aberto e se deve construir mais ações que democratizam a ideia de que o processo de migrar é um direito humano e pensar políticas para a população migrante, é necessário ampliar o escopo para abarcar toda a sua amplitude e complexidade. Para Mylena Francielli Santo e Letícia Joana Muller (2020[iii]) longo caminho a ser percorrido para que as mulheres tenham a visibilidade que lhes compete no processo migratório e para que alcancem seu espaço no mercado de trabalho garantindo, de fato, condições dignas de labor, uma vez que para a mulher isso representa sua emancipação.No entanto seus projetos tiverem de ser adiados e postergados devido a pandemia do COVID e consequentemente o cenário laboral também se transformou em uma sucessão de efeitos de precarização e exploração ainda maior do do trabalho.
De acordo com o Grupo de Trabajo Fronteras: movilidades, identidades y comercios e o Grupo de Trabajo Migración Sur-Sur (2020[iv]), o Covid-19 ataca então um espaço geográfico marcado pela tensão entre (in) mobilidade e controle, tensão que assume nuances muito mais violentas em contextos desiguais. À emergência sanitária hoje se soma o colapso econômico e dos sistemas de proteção social, fatos que devastam coletivamente a vida das populações mais vulneráveis, sempre racializadas, como aquelas em condição de mobilidade humana. O sujeito migrante inserido nesses processos sociais, se faz lembrar da subjetividade individual e social.
Na perspectiva de González Rey (2005[v]) o sujeito que aprende expressa a subjetividade social a dos diferentes espaços sociais em que vive no processo de aprender. Nenhuma atividade humana resulta uma atividade isolada do conjunto de sentidos que caracterizam o mundo histórico e social do indivíduo. Para Ortiz (2020[vi]) a categoria de limite subjetivo se refere a esses limites que se desenvolvem não só da convivência com o outro, mas também com base nas transformações vividas pelos sujeitos no nível da agência política. Sabemos que se precisa ter um mundo mais aberto e se deve construir mais ações que democratizam a ideia de que o processo de migrar é um direito humano e pensar políticas para a população migrante, é necessário ampliar o escopo para abarcar toda a sua amplitude e complexidade. Temos a responsabilidade moral e constitucional para construir e aprimorar sociedades melhores a todos os sujeitos.Assim, terminamos o texto, com uma frase escrita por Aryane Carar e Duda Porto de Souza[vii] no livro Valentes: “Eles são um de nós. E amanhã podemos ser um deles” um de tantos migrantes por ai afora.
Referências:
[i] ANDRADE, Cristiane B.; et al.. Venezuelanas no Brasil: trabalho e gênero no contexto da Covid-19. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Migrações internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas: UNICAMP/Núcleo de Estudos de População Elza Berquó. 2020. p.426-434.
[ii] OLIVEIRA, Eliany Nazaré; et al . Mulheres brasileiras vivendo em Portugal: trabalho e qualidade de vida. Saude soc., São Paulo , v. 28, n. 1, p. 182-192, Mar. 2019 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902019000100013&lng=en&nrm=iso>. access on 14 Aug. 2020. https://doi.org/10.1590/s0104-12902019170122.
[iii] SANTOS, Mylena Francielli; MÜLLER, Letícia Joana. Migração e inserção no mercado de trabalho decente: o trabalho doméstico informal como destino das mulheres migrantes no brasil. In: Anais do Seminário Internacional em Direitos Humanos e Sociedade, v. 2, 2020.
[iv]GRUPO DE TRABAJO FRONTERAS: movilidades, identidades y comercios Grupo de Trabajo Migración Sur-Sur. (In)movilidad en las Américas. In: CLACSO, 11 jun. 2020. Disponível em: <https://www.clacso.org/inmovilidad-en-las-americas/. Acesso em: 03 set. 2020.
[v] GONZÁLEZ REY, F.. Subjetividade,complexidade e pesquisa em psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
[vi] ORTIZ; Roxana Rodriguez. Miradas a las migraciones, las fronteras y los exilios [et al.] ; editado por Enrique Coraza de los Santos ; María Soledad Lastra. -1a ed . – Ciudad Autónoma de Buenos Aires : CLACSO, 2020
[vii] CARARO,Aryane; SOUZA, Duda Porto De. Valentes: Histórias de pessoas refugiadas no Brasil. 1 ed. São Paulo: Seguintes, 2020.
¹Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidad Autónoma de Barcelona. Professora do Departamento de Estudos Sociais (DAESO) e do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
²Graduanda em Administração da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Como citar:
DIAS, Maria Sara de Lima; BROGNOLI, Paula Caldas. Migração, Trabalho e Subjetividades de Mulheres na pandemia. In: Nuevo Blog, 04 set. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/09/04/migracao-trabalho-e-subjetividades-de-mulheres-na-pandemia/ . Acesso em: ??
Deixe um comentário