
Josué Alexandre Sander¹
Nós falamos de política cotidianamente, mas ao mesmo tempo evitamos participar da política. Falamos de política porque vivemos em sociedade. Evitamos participar da política porque associamos a política a comportamentos que desprezamos: corrupção, egoísmo, interesse próprio.
Por isso, antes de pensar no papel da política nas mudanças sociais é importante refletir sobre o que é política. Apresento duas definições para ajudar neste processo de reflexão. A primeira é a uma definição do Dicionário de Política de Norberto Bobbio[i] que informa que o significado de política é “derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público”. “O livro da política” [ii] apresenta uma descrição mais prática das atividades relacionadas a política, conforme apresentado a seguir: “A política é a atividade na qual as pessoas decidem as regras pelas quais viverão juntos e os objetivos que querem buscar coletivamente.”. Quem quiser aprofundar a reflexão sobre política pode assistir esse vídeo sobre “O que é política”: https://www.youtube.com/watch?v=BEUitk9nYLA&t=1s
As atividades políticas estão relacionadas a dois elementos fundamentais: 1) organizar a vida em sociedade, a vida junto com outras pessoas; 2) definir objetivos comuns para a sociedade. Ou seja, é possível entender que atuar politicamente é reconhecer que a ação coletiva é fundamental para superar os desafios vividos em sociedade.
A ação coletiva depende de pactos, objetivos comuns, definidos e considerados legítimos pela sociedade. O processo de elaboração da Constituição de 1988 ajudou a construir objetivos coletivos a serem perseguidos pela sociedade brasileira. Durante algumas décadas a sociedade brasileira caminhou, em velocidades variadas, em direção aos objetivos fundamentais descritos no Artigo 3º da Constituição Federal[iii], por exemplo: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”.
Um exemplo é a evolução dos municípios brasileiros no Índice de Prosperidade Social, elaborado pelo IPEA e apresentado no Atlas de Vulnerabilidade Social[iv]. Esse índice é composto pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que avalia a “ampliação de liberdades das pessoas no que tange às suas capacidades e às oportunidades com as quais elas se deparam na sociedade”) e o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS que avalia as “condições menos favoráveis de inserção social, refletindo a trajetória social das pessoas, de suas famílias e de seu meio social, seja em termos do capital humano, seja em termos de sua inserção no mundo do trabalho e da produção, ou em termos de suas condições de moradia e da infraestrutura urbana”).
A análise do índice de prosperidade social mostra que o Brasil avançou em direção ao objetivo definido na constituição. No ano 2000, 3.426 municípios foram classificados como “muito baixa” prosperidade social, número que reduziu para 1.307 em 2010, uma grande caminhada em apenas uma década, conforme mostra a Tabela e Gráfico a seguir.

A melhoria da qualidade de vida da população brasileira representada por estes indicadores é resultado de um conjunto de políticas públicas (escolhas políticas da sociedade) que foram sendo criadas e fortalecidas: acesso universal ao ensino; sistema único de saúde gratuito e universal; organização e ampliação de rede de assistência social; dentre outros.
Mudança social precisa de sonhos coletivos
As mudanças sociais positivas dependem de ação coletiva. A ação coletiva ocorre a partir de pactos considerados legítimos. Sem objetivos claros não existe atuação conjunta. A consequência da falta de pactos coletivos é a inação.
Parece que a sociedade brasileira ficou refém da falta de clareza de objetivos. A última década foi marcada pela contestação de política como espaço para a construção de objetivos coletivos legítimos, que iniciam com as jornadas de junho de 2013 e afloram um sentimento de que o anseio social não está mais sendo considerado pela classe política. Ocorreu também o surgimento e crescimento de grupos que claramente contestam o pacto social presente na constituição federal.
A sensação é de que a sociedade brasileira está paralisada pela falta de pactos coletivos. Essa paralisação é especialmente cruel em um país tão desigual e com tanta miséria como o Brasil. Muitos brasileiros ainda vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Um exemplo é o fato de que apenas em Curitiba 13.458 famílias precisaram acessar o Benefício de Superação da Extrema Pobreza (BSP), um benefício vinculado ao Programa Bolsa Família focalizado em famílias que possuem crianças entre 0 e 6 anos, como mostram os dados do Portal ODS[vi].
É preciso resgatar a atuação política com o foco em construção dos objetivos que a sociedade deseja buscar coletivamente. Sem objetivos comuns claros as mudanças sociais ficam paralisadas.
Não é possível construir uma casa sem um projeto, é preciso sonhar com a casa antes de construí-la. Também não é possível realizar mudanças sociais sem sonhos coletivos. É pela política que os consensos coletivos vão sendo formados e os objetivos coletivos são legitimados. Sem política, sem a arte do diálogo, não ocorrem mudanças sociais.
Referências:
[i] BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. (pg 964)
[ii] KELLY, Paul. O livro da política. 1 ed. São Paulo: Globo, 2013. (pg 12)
[iii] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 set 2020
[iv] COSTA, Marco Aurélio; MARGUTI, Bárbara Oliveira. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Brasília : IPEA, 2015 (p.74)
[v] COSTA, Marco Aurélio; MARGUTI, Bárbara Oliveira. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Brasília : IPEA, 2015
[vi] PORTAL ODS. Disponível em: http://rd.portalods.com.br/relatorios/9/erradicacao-da-pobreza/BRA004041095/curitiba—pr Acesso em: 4 set 2020
¹Doutor em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Programa de Pós-Graduação em Governança e Sustentabilidade e Coordenador da Graduação no ISAE Brasil.
Como citar:
SANDER, Josué Alexandre. O papel da política nas mudanças sociais. In: Nuevo Blog, 11 set. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/09/11/o-papel-da-politica-nas-mudancas-sociais/ . Acesso em: ??
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