
Raphaela Reis Conceição Castro Silva¹
Em 2013, fui aprovada no processo seletivo do curso de doutorado em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O projeto que submeti para o processo de seleção se tratava de uma continuação da minha dissertação de mestrado concluído em 2012, na Universidade Federal de Lavras (UFLA). Mas logo que o curso começa, as disciplinas obrigatórias foram me indicando outros caminhos.
Na minha compreensão, o mote principal dos debates que aconteciam em sala de aula era para que (ou quem) eu produzo artigos (papers, etc)? Dentre centenas de textos que lemos no curso de doutorado, um deles me chamou muito atenção. Um livro organizado pela profa. Dra. Maria Ceci, que logo em sua introdução, apresentava a questão: para que (ou quem) serve meu conhecimento?
A reprodução da lógica produtivista no campo científico já é um assunto bastante debatido em textos científicos e também nos encontros científicos. Parece-me incomodar a muitos e estes já estão começando a se posicionar frente a essa problematização (me parece). Mas a pergunta permanecia: para que (quem) serve meu conhecimento? Na minha concepção, se ele não se presta a mudar a realidade social onde estou inserida, esse conhecimento não tem muita serventia.
Para coroar essa reflexão, a disciplina de Teorias de Desenvolvimento, lecionada pelo economista prof. Silvio Cario, no 2o. semestre de 2014, trouxe uma visão a cerca do conceito de desenvolvimento. Após a leitura de obras dos autores Há-Joon Chang, Sen Amartya, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Ruy Mauro Marini, entre outros, me veio novas questões: como nos libertar da posição de um país dependente? Como é possível (e se é possível) garantir uma homogeneidade social no nosso país? E a resposta a essa questão, me parece também simples, mas também complexa: por meio da educação, da ciência, do conhecimento. Mas como esse conhecimento nos trará essa condição se apenas reproduzimos o que nos é sugerido (?!) sem muita criatividade?
A partir disso, minha tese começou a ganhar novos contornos. Utilizei as reflexões de Celso Furtado, Guerreiro Ramos e Pierre Bourdieu para analisar a atuação, os limites, os desafios e as contradições da ação intelectual dos grupos de pesquisa da Administração, vinculados a uma universidade federal brasileira, que contribuem para o fomento do desenvolvimento.
A pesquisa deixou evidenciada a necessidade imperiosa de discutir e refletir mais e profundamente sobre o papel, o pensamento e o controle externo da universidade, dos grupos de pesquisa e da produção científica visando o desenvolvimento bem como a consciência crítica. Lembrando-se que a autoconsciência coletiva e a consciência crítica são produtos históricos e surgem quando um grupo social põe, entre si e as coisas que o circundam, um projeto de existência. E a criatividade, como apresentada por Celso Furtado, tem de ser profundamente nacional, enraizada nas aspirações, nos comportamentos e nas inclinações dos brasileiros. Sem perder de vista, a possibilidade de aprendizado com outras experiências. Portanto, defende-se aqui um esforço crítico de criação intelectual que objetiva a mudança na infraestrutura do país em termos de desenvolvimento.
De acordo com Marx, o objetivo da teoria social é mostrar como nosso entendimento sobre a situação em que vivemos foi encoberto por ideologias e por outras formas de mistificação, e ilustrar as condições de dominação que nos acorrentam e mostrar uma nova possibilidade de liberdade. Segundo essa visão, a função da teoria social é criticar a fim de gerar ação. Também de ressaltar a importância entre a reflexão e ação, entre a teoria e a prática, pois por meio do conhecimento teórico adquirido, são reveladas novas possibilidades de como agir para melhorar as circunstâncias. Por meio da práxis, há uma reflexão crítica sobre a situação da sociedade.
Portanto, a intenção da pesquisa é gerar a reflexão de todos os atores que pertencem ao campo científico para assim repensar sobre suas práticas, numa perspectiva de desenvolvimento em prol da coletividade, tal como colocado por Tragtenberg (1979), a respeito da intelectualidade crítica.
Talvez, assim como a fecundidade dos anos de 1950 incentivou os intelectuais, este seja um momento oportuno capaz de estruturar (ou formar) uma nova intelectualidade brasileira, engajada e forte, que se movimenta e inaugura novas perspectivas e debates, visando a autonomia intelectual e a incorporação das necessidades nacionais nas produções. Nesse sentido, é preciso ligar (ou relacionar) a ciência e a sociedade, tendo a prática científica e o papel da ciência como vetor de transformação da realidade.
Texto inspirado em:
SILVA, R. R. C. C. O fazer científico a partir dos grupos de pesquisa da área da administração: em busca da criatividade e da consciência crítica. 2018. Tese (Doutorado em Administração) – Centro Socioeconômico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
¹Doutora em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Gestão Pública do Instituto Federal do Rio de Janeiro.
Como citar:
SILVA, Raphaela Reis Conceição Castro. Por uma intelectualidade crítica e criatividade na área da Administração In: Nuevo Blog, 08 out. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/10/08/por-uma-intelectualidade-critica-e-criatividade-na-area-da-administracao/ . Acesso em: ??
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