
Isabel Medeiros¹
Diante do nosso modo de viver, há muitas invisibilidades quando falamos em consumo, sobretudo, em uma sociedade excitada pelo universo da mercantilização e contínuos choques áudio visuais, como diria Turcke (2010[i]), o qual buscaria minuciosamente decifrar e/ou caracterizar “contínuos” — sendo entendido como algo que, uma vez posto em movimento, não se pode mais parar. Sua vitória sobre a sociedade pré-moderna não poderia ser mais completa, mas condena a vencê-la sempre mais rapidamente em seu próprio movimento revolucionário, um contínuo que gira em torno de si mesmo e, que traz uma renovação obrigatoriamente permanente dos instrumentos técnicos e das relações sociais, levando ao Freud (2019[ii]) denominou como compulsão à repetição, um marchar para frente, que, no entanto se inicia. Inesperadamente, o significado de revolução se aproxima daquele curso imutável das estrelas com o qual ele parecia ter rompido do modo mais radical. E que o movimento para frente da sociedade moderna pudesse ser ao mesmo tempo retrocedente, que sua permanente transformação também possa ser revolucionária no sentido de que ela torna a revolver coisas que há muito se criam ultrapassadas, sedimentadas, arcaicas — justamente Marx nunca abandonou essa suspeita. De um lado, ele põe muita ênfase na profanação do sagrado que essa sociedade pratica. “Ela afogou os frêmitos sagrados da exaltação piedosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa na água gelada do cálculo egoísta. Marx é o criador da fórmula sobre o caráter fetichista da mercadoria”[iii].
Levantando alguns elementos sobre esse jogo de cena, podemos idealizar a mercantilização como sendo o universo das trocas, a qual, é nesse ponto que intervém a teoria de Marx sobre a troca justa, o “valor” de uma mercadoria nada mais é do que a quantidade de trabalho que se corporifica na mercadoria, sendo que, na média social geral, com oscilações insignificantes, as mercadorias são efetivamente vendidas pelo seu “valor”, e o mesmo vale para a mercadoria força de trabalho[iv].
Tais questões dão espaço a outras, bem como simbólicas de estilo de vida, operações midiáticas, espaço, e também o consumo do tempo. O tempo no qual se consome, se reduz e se acelera no cotidiano, sem a captura dos nossos olhos.
Os trabalhadores também se implicam nestas questões, pois os trabalhadores também são consumidores, neste caso, onde também imperam as operações midiáticas. “De forma análoga à esfera da produção, pode-se aplicar tal raciocínio à esfera do lazer que, sob a forma de sociabilização capitalista, apresenta uma fase de subsunção “formal” e outra de subsunção ‘real’”[v].
Se o trabalho foi, por muito tempo, um espaço de identidade por excelência, (não que hoje ainda não seja), esse espaço hoje vem sendo substituído pelo mundo do consumo, nos colocando em uma dobradinha de trabalho e consumo, de modo que os nossos empregos, também são grifes nossas, onde nos significamos através dessa mercantilização. Essas coisas se embolam, e a partir
A pancada que o trabalhador se “decompõe” também corresponde ao choque da imagem cinematográfica da propaganda e, das demais imagens que somos constantemente expostos. De modo fulminante, o choque concentra a atenção num ponto, para poder triturar essa concentração através de incontáveis repetições. O meio de concentração é, propriamente, o meio de decomposição[vi].
Em geral, quando falamos de consumo, nos vem a ideia coisas materiais, celular, roupas, um carro, por isso é fundamental pensarmos numa certa imaterialidade do consumo. “Quando uma indústria faz uso de determinadas capacidades humanas em períodos separados, ela as arranca de seu contexto corporal e psicossocial, no qual elas, bem ou mal, se desenvolveram num determinado indivíduo”[vii].
Não é à toa que Turcke (2010) fala que a transformação do impulso industrial em diversão praticada no tempo livre é também a continuação do trabalho industrial com outros meios.
‘Após um dia de trabalho, me relaxa muito quando sento diante da televisão e me deixo irrigar’, dizem os trabalhadores, e eles não mentem. E isso da mesma forma como o organismo, que se adapta ao consumo de doses de nicotina, álcool e cocaína, também relaxa ao consumi-las[viii].
O impacto das sensações diante do consumo nos torna impossíveis de eliminá-lo, de modo que, embora tenhamos a intenção de eliminar o consumo de nossas vidas, isso não é possível, pois o consumo existe, age e funciona de forma poderosa sobre nós.
Novamente, Turcke (2010) de uma forma muito certeira, vem nos afirmar que
[…] a estetização de todas as relações de produção e de vida, são também uma estetização da desapropriação e da exploração. Com isso, esses dois conceitos caem por terra, sendo que foram proscritos desde o colapso do bloco socialista oriental, e se juntam ao combalido conceito de “luta de classes”[ix].
Essa luta de classes poderia implicar numa análise ou num modo de conceber a produção de aparelhos ou instrumentos tecnológicos destinados à produção/distribuição de imagens no século XX capaz de evidenciar a lógica social que fornece as diretrizes a ela: esses aparelhos estariam destinados a transformar tudo em imagens e rivalizar com a escrita. Seu escopo seria, por um lado, estimular a produção imagética, por outro, e este seria o aspecto decisivo; o de facilitar, reforçar e disseminar o consumo contínuo e incessante de imagens que adquiriram uma preponderância inusitada na história. Desse modo, ao contrário do que sugerem alguns autores, que insistem na coexistência pacífica entre a imagem e a palavra, seria interessante investigar o sentido social dessa rivalidade.
Esse sistema de comunicação, o qual nos permite fazer uma escavação das relações sociais e, através disso, conseguimos ler as entrelinhas dessas relações, consumo vem ser um fenômeno poderoso que nos permite entender a dinâmica social, as relações de poder das relações sociais e familiares onde há uma microfísica que podemos entender a partir de como e quando esse mecanismo poderoso age na sociedade.
Essa dinâmica social traz um duelo entre pertencimento e identidade, entre quem eu sou, e a que pertenço. O que nos dá acesso às classificações e diferenciações, ao mesmo tempo em que há um elemento que coloca em cheque as sensações, as quais, se todas as pessoas tivessem o mesmo celular, o mesmo carro não teria graça, perpassando pelo desejo, gosto, gozo e repetição, exacerbados do consumo. Repetição esta, que nos leva a uma violência real e simbólica implícita. Entretanto, quando se percebe que os sentidos que estão em circulação a partir dos objetos, não são definidos em processo de decisão igualitária, ou seja, nem todo mundo pode comprar o que quer ou o que deseja, todavia dando a alguns o direito de se comprar o que deseja, outros menos favorecidos não podem sentir-se aceitos por não poderem degustar do ter, independente das suas vontades.
No final dos anos 90, a gente começou a ter conexões, se tratando de virtual, uma identidade virtual, acreditando ser mais dinâmico, acreditando trazer benefícios para nosso mundo real, acreditando nos fazer mais conectados. Dando um “fast-forward”, até agora 2020, onde a maioria das pessoas não conseguem dormir sem olhar o whatsapp, instagram, facebook para ver as últimas notícias, e quando vê, já está tomado pelo tempo que ali já se passou, tornando a cada dia, mais difícil viver no mundo “off-line”. A tecnologia vem a ser um processo de dominação na qual se instala novas formas doces e agradáveis de dominação. “Hoje”, assevera o entusiasmado McLuhan, “[…] ampliamos o sistema nervoso central para uma rede de abrangência mundial e, com isso, superamos o espaço e o tempo, tanto quanto isso seja possível em nosso planeta. Quem acredita nisso se torna feliz”[x]. p.269. Mas quanto tempo essa felicidade pode durar realisticamente?
Referências:
[i] TÜRCKE, C. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Tradução: Antonio A. S. Zuin et al. Campinas: Unicamp, 2010.
[ii] FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Metapsicologia e outros Trabalhos (1914-1916). Tradução: James Strachey. Rio de Janeiro: Ediora Imago, 2019.
[iii] Idem item i, p. 36.
[iv] Idem item i, p. 269.
[v] Idem item i, p. 264.
[vi] Idem item i, p. 266.
[vii] Idem item i, p. 265-266.
[viii] Idem item i, p. 267.
[ix] Idem item i, p. 268.
[x] Idem item i, p. 269.
¹Graduanda em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor).
Como citar:
MEDEIROS, Isabel. Interferências da Cultura Pós-Moderna na Construção de Subjetividade – A sociedade Excitada: Filosofia da Sensação. (Christoph Turcke). In: Nuevo Blog, 21 jan. 202a. Disponível em:https://nuevoblog.com/2021/01/21/interferencias-da-cultura-pos-moderna-na-construcao-de-subjetividade—a-sociedade-excitada-filosofia-da-sensacao-christoph-turcke/ . Acesso em: ??.
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