
Tatiana Mara de Miranda Lima¹
Entre as várias ferramentas metodológicas utilizadas nas pesquisas do campo CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), a Análise Dialógica do Discurso apresenta-se como uma escolha viável, na medida em que analisa narrativas, construções ideológicas e estratégias de sentido. O campo procura evidenciar a não neutralidade das tecnologias e as relações políticas e sociais envolvidas, questões bastante pertinentes e até condizentes com a perspectiva apresentada pela Análise Dialógica do Discurso.
É interessante ressaltar que a Análise do Discurso opõe-se a duas tradições: ao Objetivismo Abstrato e ao Individualismo Subjetivista. O Objetivismo Abstrato considera que o sujeito da pesquisa possui uma mente racional capaz de apreender objetivamente o objeto, descrevendo-o, conceituando-o, definindo-o. Essa perspectiva está ligada ao Positivismo e ao Empirismo, sendo o resultado de uma pesquisa considerado “a verdade”. Outra característica é que o pesquisador é considerado como um ator neutro.
Já o Individualismo Subjetivista parte de uma perspectiva que podemos chamar de oposta, na qual as impressões, a experiência e a vivência do pesquisador adquirem centralidade. Nela, o objeto é apresentado sob uma lente individual e relativa. Essa abordagem está ligada ao Liberalismo e ao Romantismo, afastando-se da abordagem racional. O pesquisador não é neutro, mas assume uma identidade múltipla, plural e mutável.
A Análise Dialógica do Discurso assume uma posição intermediária, levando em consideração a concepção dialógica do conhecimento. Quando aplicada à pesquisa científica, podem ser apontadas três características fundamentais: o próprio dialogismo (um conceito-chave para compreender a cultura, o sujeito, a linguagem, a realidade); a não polarização (há um embate e uma disputa constantes, que resultam em interações e inter-relações) e a não neutralidade (a pesquisa é construída pelo pesquisador na relação com seus interlocutores e com a mundo).
A Análise Dialógica do Discurso é tratada pelo chamado Círculo Russo, do qual fizeram parte os filósofos Mikhail Bakhtin e Valentin Volóchinov[i]. É importante distinguir que, de acordo com essa perspectiva, a subjetividade não é absoluta, pois se utiliza uma linguagem e uma cultura partilhadas. O discurso é visto como uma instância de mediação entre elementos universais/abstratos e singulares/concretos.
Na edição do livro “Marxismo e filosofia da linguagem” atribuída à Volóchinov, o autor evidencia que a criação ideológica é um ato material e social, não devendo ser situada na consciência individual. De acordo com ele, um signo só pode surgir em um território interindividual, socialmente organizado (compondo uma coletividade). Para Volóchinov, a própria consciência individual é um fato social e ideológico. “A consciência se forma e se realiza no material sígnico, criado no processo de comunicação social de uma coletividade organizada. […] A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica”[ii].
A Análise Dialógica do Discurso considera as narrativas em seu contexto, com destaque para as relações sócio-históricas presentes. A linguagem é fruto de uma arena de lutas, produto de um dialogismo. Assim, um discurso é constituído de uma rede de outros discursos, com a presença de várias vozes (polifonia). Dentro desse panorama, as condições de produção (formações discursivas/formações ideológicas) assumem posição de destaque.
Volóchinov salienta que a palavra é um ato bilateral, determinada tanto pelo falante, como pelo interlocutor, sendo produto das inter-relações do falante com o ouvinte. A palavra pode ser vista como propriedade do falante (ato fisiológico da realização do som) ou como um empréstimo pelo falante da reserva social de signos disponíveis. Quando vista sob essa segunda ótica, pode-se considerar que a situação social mais próxima e o meio social mais amplo determinam completamente a estrutura do enunciado. Sobre esse aspecto, Volóchinov afirma que o local onde o caráter sígnico e a importância da comunicação são tratados com maior clareza e plenitude é a linguagem. “A palavra é o fenômeno ideológico por excelência […] A palavra é o médium mais apurado e sensível da comunicação social”[iii].
Embora a Análise Dialógica do Discurso considere narrativas e enunciados, são avaliados tanto aspectos linguísticos como extralinguísticos. O sujeito é situado no seu contexto histórico-social e visto na sua identidade/alteridade. Desta maneira, consideramos essa uma importante ferramenta metodológica a ser utilizada nas pesquisas CTS, um campo que se preocupa com a apreensão de sentidos, dos contextos e das relações histórico-sociais envolvidas.
Referências:
[i] FANINI, Angela Maria Rubel. Metodologia da Pesquisa sob o Mirante da Análise Dialógica do Discurso e da Análise do Discurso: Mikahil Bakhtin e o Círculo Russo e Michel Foucault, 2020. 30 slides. Disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1BKgNdYTs1Ep-LI-NV3d8djyFZ1S3qibH
[ii] VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, p. 97
[iii] Idem item ii, p. 98-99.
¹Metranda em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (PPGTE-UTFPR).
Como citar:
LIMA, Tatiana Mara de Miranda. A Pesquisa no Campo de Ciência, Tecnologia e Sociedade e a Análise Dialógica do Discurso. In: Nuevo Blog, 03 fev. 2021. Disponível em: https://nuevoblog.com/2021/02/03/a-pesquisa-no-campo-de-ciencia-tecnologia-e-sociedade-e-a-analise-dialogica-do-discurso/. Acesso em: ??
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