
Felipe Santos Gomes¹
Podemos pensar na relação entre o avanço da tecnologia, o aumento de sua disponibilidade e a prática evolutiva da atividade artística como ponto de partida para o aprendizado e o desenvolvimento de métodos para a pesquisa dentro deste campo transdisciplinar em desenvolvimento. Assim como aponta Paulo Bernardino, doutor em Estudos de Arte, ao descrever os pontos mais relevantes dessa relação:
O desenvolvimento da tecnologia digital proporcionou aos artistas novos instrumentos, criando-se, pela capacidade do médium, novos paradigmas no que diz respeito a própria definição de arte assim como a sua forma de produção. Obrigando, inclusive, a novos conceitos de espaço os expositivos a imaterialidade das várias formas que apresentam as obras de arte digitais criou uma série de problemas sem precedentes numa sociedade que sempre baseou o seu credo no ajuntamento de objetos[i].
A tecnologia abriu a possibilidade de novas plataformas, novas ferramentas, novas mídias, novos meios de expressão, formas de compor, representar e exibir a arte, esta sendo alterada pela ressignificação do artista, agregando aquele que trabalha o meio digital como forma de atitude artística. Seguindo essa nova lógica e de acordo com José Jiminez (1999, p. 57[ii]): “a proposta artística deixa de ser um produto final, enclausurado, para se converter num ponto de partida”, e acrescenta ainda o surgimento de “formas de novas materialidades”, talvez pela criação de novos segmentos artísticos, estes por sua vez interagindo dentro de uma série de limitantes dadas pelo aparato utilizado.
Logo, tomando por base a Epistemologia Qualitativa e o Método Construtivo-Interpretativo aos olhos de Gonzalez Rey (2003[iii]) e sua Teoria da Subjetividade, pode-se dizer que a forma de fazer ciência em assuntos mais subjetivos busca uma maneira de se desenvolver alem dos métodos hegemônicos. Estes, por sua vez, sao mais engessados mas geralmente com melhor aceitação pela comunidade cientifica por se tratarem de pontos que podem ser avaliados sistematicamente, beneficiando-se pelas bases positivistas da produção do conhecimento.
Tratando-se de uma pesquisa transdisciplinar como a intersecção entre a arte e a tecnologia aproveitamos ainda dos estudos de Gonzalez Rey (2005[iv]) por seus pilares metodológicos, como a complexidade do individuo, em conjunto com a lógica de Morin (2011[v]) quando trata da nossa vivência em redução. Para esse conjunto podemos dizer que o consenso sobre a multiplicidade do ser busca evitar a simplificação do objeto e a sua fragmentação em partes que, apesar de mais facilmente tangíveis, funcionam como um todo, devendo assim serem estudadas.
Colocar o ser humano como ser ativo revela o caráter tanto do individuo como da pesquisa através da comunicação entre os sentidos. Se a subjetividade nasce a partir da vida objetiva, temos então a revelação da não neutralidade do método. Voltando a pesquisa do campo formado pela soma da arte com a tecnologia vemos que ele produz e é produzido em um contexto subjetivo, evidenciando a necessidade de uma relação dialógica entre a arte e o sujeito ativo.
Vemos também pelo trabalho de González Rey sobre a Teoria da Subjetividade que suas bases estão na compreensão da subjetividade como sistema complexo e em permanente mudança, e na construção do sujeito advinda da soma entre a subjetividade individual e a social. Logo, a Epistemologia Qualitativa esta para este tipo de pesquisa como ponte que liga a teoria e as informações obtidas durante o processo, exigindo do pesquisador referências alem das que estão postas de maneira imediata.
Para estabelecer um processo de pesquisa em estudos transdisciplinares e também fundamental explorar outras abordagens sobre o conhecimento e a construção do saber, verificar seus limites e suas vantagens, a fim de não recair sobre as mesmas questões do Positivismo, Pragmatismo e outras correntes que se baseiam nos conhecimentos comprováveis apenas pelos métodos científicos já estabelecidos. Ainda assim, notamos que para romper com os paradigmas hegemônicos e necessária a analise do não-teórico, o subjetivo e a não-dogmatização do estudo ou do tema. Sendo a arte e a tecnologia, em grande parte, resultados de desenvolvimentos técnicos, vemos criações que são geradas a partir da negação do contexto e de outros meios mas, principalmente, lidamos com associações geradas pela intersecção entre esses campos [vi]. A parceria entre essas áreas é um dos facilitadores do aprendizado e da produção, onde a ausência de barreiras dentro das comunidades criadas na internet dá oportunidade de compartilhar informações significativas entre estudantes e profissionais, hobbistas e o mercado, tendo como exemplo os tutoriais disponíveis gratuitamente em texto, áudio e vídeo para diversos tipos de softwares e hardwares que tem como objetivo a criação artística.
Ao considerar que a arte e a tecnologia andam em constante paralelo, pode-se afirmar que muitas vezes uma área é motivada pela outra, permitindo usar a epistemologia qualitativa como legitimadora do processo construtivo-interpretativo intrínseco ao estudo desses campos. As vivencias do pesquisador somadas as suas percepções sociais, seu contexto histórico e cultural o possibilitam ressignificar a produção do conhecimento de maneira complexa e dinâmica [vii].
Referências:
[i] BERNARDINO, Paulo. Arte e tecnologia: intersecções. ARS (São Paulo), v. 8, n. 16, p. 39- 63, 2010, p. 07
[ii] JIMINEZ, José. ”A Revolução da Arte Electrónica”. Revista de Comunicação e Linguagem, n°25/26, (Real vs. Virtual), Lisboa, Cosmos,1999.
[iii] REY, F. L. G. Epistemología Cualitativa y Subjetividad. São Paulo: EDUC, 2003.
[iv] REY, F. L. G. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
[v] MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo (4a ed.). Porto Alegre: Sulina, 2011.
[vi] BERNARDINO, Paulo. Arte e tecnologia: intersecções. ARS (São Paulo), v. 8, n. 16, p. 39- 63, 2010.
[vii] REY, F. L. G. Ideias e modelos teóricos na pesquisa construtivo-interpretativa. In: MARTÍNEZ, M.; NEUBERN, M; MORI, V. D. (Orgs.). Subjetividade contemporânea: discussões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Alínea Editora, 2015.
¹Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, na UTFPR.
Como citar:
GOMES, Felipe Santos. Arte, tecnologia e pesquisa. In: Nuevo Blog, 19 fev. 2021. Disponível em: https://nuevoblog.com/2021/02/19/arte-tecnologia-e-pesquisa/. Acesso em: ??
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