
Nayara Stelmach de Melo¹
A construção da história das migrações contemporâneas no Brasil é papel dos pesquisadores e historiadores, como contribuição para as próximas gerações. Com isso em mente podemos exemplificar essa contribuição com o trabalho que está sendo desenvolvido pelas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) no sentido de acolhida humanitária de migrantes no Brasil.
Pensando em termos de construção histórica, esse é um movimento que vai contra as concepções históricas de puramente análises e arquivamentos como prática de documentação. Afinal, já possuímos todos os dados sobre movimentações migratórias na internet, qual o diferencial desses programas?
Pegando como exemplo próximo temos os projetos Português para Falantes de Outras Línguas (PFOL) e Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH) em duas Universidades Federais, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Federal do Paraná (UFPR), respectivamente. Projetos que tem como premissa a constituição do processo de ensino-aprendizagem digital como uma das mediações possíveis para o contexto de (re)construção identitária e reestruturação econômica e social de migrantes do Brasil. Mostrou-se necessário “ultrapassar o político e dirigir o olhar para as estruturas sociais e econômicas, para os fenômenos coletivos, as mentalidades e as diferentes temporalidades da história (Luca, 2020, p. 38)”, isso de forma multi e transdisciplinar.
São cursos que ensinam a língua portuguesa com noções de cotidiano, e não se baseiam apenas em testes de construções gramaticais, e possuem a proximidade com o dia a dia das pessoas como viés fundamental não apenas para a prática de ensino, mas para a acolhida humanitária.
Ambos são projetos que fazem sua documentação histórica na prática, no olhar ao outro, no toque e nas ações, ato que reforça a visão de Lucien Febvre², que afirma que não se pode negar que a história se faz por documentos escritos, porém, isso se dá quando eles existem, mas ela deve se fazer quando eles não existirem. Utilizam-se de palavras, signos paisagens e telas, tudo o que exprime o homem e significa-o. E os projetos utiliza-se das histórias que os migrantes trazem consigo, histórias de países, de familiares, grupos sociais e de si, ressignificando o contar a história.
Não dependemos no tempo real de agora de sorte na obtenção de documentos, e além disso temos todos os dados da vivência desses dois cursos de línguas. Não contamos mais, nesse caso, com o Prognóstico curioso, (de Langlois e Seignobos³) que circunscrevia bastante as possibilidades de estudo do passado que ficava na dependência da sorte, além de sugerir sua finitude, irônico resultado da própria labuta do pesquisador, o qual incessantemente reunia, descrevia e classificava registros que não apenas não aumentavam, mas, ainda por cima, estavam sob constante risco de desaparecer (Luca, 2020, p. 37).
Essa vivência em tempo real com os estudantes tende a ajudar a eliminar a visão ingênua a respeito das verdades na história, pois se vale até de silêncios e exclusões que podem ser intencionadas. Elimina lacunas.
O que não é pesquisado em dados é obtido na vivência.
Referências e Notas:
LUCA, Tania Regina de. Práticas de pesquisa em História. São Paulo, Editora Contexto, 2020, 144 p.
² Lucien Febvre, Combates pela História, 2. ed., Lisboa, Editorial Presença, 1989, pp. 249-50. Primeira edição em francês em 1953.
³ Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, Introdução aos estudos históricos, Curitiba, Patalolivros, 2017, p. 282. Primeira edição em francês de 1898.
¹Mestrando do Programa de Pós Graduação em Tecnologia e Sociedade, na UTFPR.
Como citar:
MELO, Nayara Stelmach de. A acolhida humanitária de IFES aos movimentos migratórios contemporâneos no Brasil. Um marco histórico. In: Nuevo Blog, 02 mar. 2021. Disponível em: https://nuevoblog.com/2021/03/02/a-acolhida-humanitaria-de-ifes-aos-movimentos-migratorios-contemporaneos-no-brasil-um-marco-historico/. Acesso em: ??
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