
Maristela Sobral Cortinhas¹
Hessen (1889-1971) (1973), ao abordar sobre a teoria do conhecimento e, especificamente, sobre a história do pensamento filosófico no ocidente, afirma que o conhecimento oscila entre dois conceitos essenciais: “concepção do eu” e a “concepção do Universo”[i]. Neste sentido, o autor afirma que a história da filosofia apresenta-se como um movimento pendular entre estes dois elementos, ora um, ora outro em que se dá mais ênfase, mas que a filosofia do conhecimento é simultaneamente as duas.
Em uma pesquisa, a definição da metodologia é definida em acordo com o objeto de pesquisa que se apresenta, pois ela existe para atender, ou possibilitar, à pequisa, de forma que ela responda a um determinado problema que, neste caso, tem como questionamento o como ou o por quê se deu determinado fenômeno[ii].
Pretende-se, neste texto, apresentar aspectos da metodologia qualitativa, pois é a que se adotará com maior ênfase como uma possibilidade metodológica, a fim de que atenda à demanda de compreender à subjetividade humana, mas, sem perder de vista, como afirma Hessen (1973), que na pesquisa podem coexistir as duas concepções.
A ciência Psicológica trás na sua gênese a discussão e a dicotomia presente no ambiente científico da sua época (século XIX), ou seja, a “[…] distinção entre ciências naturais, de um lado, e ciências humanas e sociais, de outro”[iii], o que levou Wilhelm Wundt (1832-1920), pesquisador alemão de referência na criação da ciência psicológica, a separar a recém nascida área da ciência em experimental, ou seja, aquela realizada em laboratório que considera o organismo como objeto de estudo da psicologia, e uma psicologia social, aquela que considera como sendo objeto de estudo da psicologia “[…] a linguagem, a religião, os costumes, o mito, a magia e fenômenos semelhante”[iv].
Neste sentido, Rey (2002[v]) aponta que, no decorrer do século XX, despontam como abordagens teóricas representantes das ciências naturais: o comportamentalismo americano, a psicanálise e a psicologia humanista, que surgem na Europa, mas que, com o advento das grandes guerras, dissipam-se principalmente entre os Estados Unidos da América – USA e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.
Nos Estados Unidos da América a psicologia comportamental adota uma metodologia de base positivista e quantitativa, que tem na definição do comportamento o seu objeto de estudo. Freud (1856-1939), tendo em vista a sua formação médica, volta-se para o estudo do comportamento, mas, tem seu olhar “para a dimensão interna do sujeito […]“[vi], que “[…] o levou a elaborar uma metodologia interpretativa e em permanente desenvolvimento para a construção do conhecimento, na análise de casos individuais (clínicos), o que o diferencia da metodologia que sustenta o positivismo metodológico desenvolvido pela psicologia comportamental. Neste sentido, Freud aproxima se da metodologia qualitativa, mas ainda encontra-se apegado a sua origem de formação médica e dá ao seu objeto uma compreensão naturalista.
Os humanistas, segundo Rey (2002[vii]), constituem um grupo mais heterogêneo, comparando-os com a psicanálise, mas inspiram-se no modelo de estudo clínico psicanalítico e tem como influência a fenomenologia, que trás para a pesquisa em psicologia o caráter subjetivo dos processos psíquicos, postulando a pesquisa qualitativa em ciência, embora ainda acreditem na “[…] presença de uma essência universal do ser humano”[viii], o que os remete às ciências naturais. Por outro lado, estes pesquisadores consideram durante a pesquisa a relação do pesquisador com o meio e outras situações que, por ventura, ocorram durante o estudo, as quais devem ser examinadas em termos de seus efeitos sobre o objeto de investigação, assim como as emoções[ix], ampliando ainda mais o campo da pesquisa qualitativa. No entanto, a psicologia humanista busca nas Ciências Sociais (antropologia e sociologia) a fundamentação para a consideração do campo de pesquisa e da cultura nas pesquisas qualitativas, negando, ou não admitindo, o percurso epistemológico da própria ciência psicológica[x].
Seguem a estes uma corrente de psicologia que adentra à URSS, que busca uma objetividade no plano metodológico, o que faz com que a pesquisa em psicologia nesse contexto retorne a posições metodológicas positivistas e pragmáticas em um primeiro momento[xi]. Na América Latina a psicologia soviética vem assumindo uma orientação de pesquisa qualitativa, a partir de uma premissa cultural com autores tais como: Ignácio Martín-Baró, Sílvia Lane, Fernando Luis González Rey, dentre outros.
Neste sentido, Rey[xii] defende que na pesquisa em psicologia a Epistemologia Qualitativa e a Subjetividade expressam uma união inseparável e que ela emerge a partir da necessidade de recolocar a subjetividade na psicologia histórico cultural. O autor[xiii] afirma que a “Epistemologia Qualitativa e a Teoria da Subjetividade nasciam, assim, na contramão do movimentos que homogenizavam a época, representando um espaço alternativo dentro da psicologia”, e resgata a própria epistemologia da pesquisa em psicologia, trazendo à tona tanto a metodologia qualitativa, quanto o objeto de estudo da psicologia: a subjetividade. E mais adiante, o autor afirma que a definição de subjetividade emerge conforme vem se estabelecendo a definição de Epistemologia Qualitativa na pesquisa em psicologia. Neste sentido, não há uma separação entre o sujeito pesquisador e pesquisado, que se relacionam pelo diálogo entre eles e pelo entendimento, por parte do pesquisador, e do pesquisado, dos significados e sentidos individuais e sociais existentes, produzindo saberes e, ao mesmo tempo, a transformação de si, do outro e da sociedade através de relações dialéticas, complexas e comprometidas dos sujeitos envolvidos. A pesquisa passa a ser, portanto, um “processo social” de transformação[xiv] . Outrossim, Rey (2002) fala sobre o valor da singularidade enquanto sujeitos de pesquisa, legitimando, desta forma, a qualidade das relações que se estabelecem, além disso, a pesquisa qualitativa adquire um caráter prático e, por isso, real, ou seja, de pesquisa intervenção na realidade social e individual.
Referências:
[i] HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Coimbra – PT: Armênio Amado, 1973, p. 13.
[ii] LIMA, Gomes de Paulo. Pesquisa qualitativa: bases históricas e epistemológicas. Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.1, jan./abr. 2018, p.5-17. Recuperado de: http://www.ensaiospedagogicos.ufscar.br/index.php/ENP/article/view/58/83
[iii] FARR, Robert. M. As raízes da psicologia social moderna (1872-1954). São Paulo, SP: Vozes, 2001, p. 40.
[iv] Idem item iii, p. 42.
[v] REY, Fernando Ganzáles. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo – SP: Pioneira Thomson Learning, 2002.
[vi] Idem item v, p. 12
[vii] Idem item v.
[viii] Idem item v, p. 18
[ix] Idem item v.
[x] REY, Fernando Gonzáles. A epistemologia qualitativa vinte anos depois. In: REY, Fernando Gonzáles; MARTÍNEZ, Albertina Mitijáns; PUENTES, Roberto Valdéz. Epistemologia e teoria da subjetividade: discussões sobre educação e saúde. Uberlândia, MG: EDUFU, 2019, p. 21-46.
[xi] Idem item v.
[xii] Idem item x.
[xiii] Idem item x, p. 24.
[xiv] Idem item x, p. 41.
¹Doutoranda em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Como citar:
CORTINHAS, Maristela Sobral. O Método Qualitativo na Pesquisa em Psicologia. In: Nuevo Blog, 18 mar. 2021. Disponível em: https://nuevoblog.com/2021/03/18/o-metodo-qualitativo-na-pesquisa-em-psicologia/ . Acesso em: ??
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