
Herminda Bulhões Hashimoto¹
Por esses dias, tive uma crise de pânico e não sabia que a estava tendo. Estava com taquicardia, dor forte de cabeça, tive queda de pressão, tontura, boca seca, falta de ar e uma vontade incontrolável de chorar, além de ter estourado uma veia no meu olho direito. Todos esses sintomas acontecendo simultaneamente ao som contínuo de “mamãe tô com fome!”, “mamãe, o irmão tá chorando querendo você”, “mamãe, cadê meu carrinho azul?”, “mamãe, quero ver um vídeo!”, “mamãe….”, “mamãe….”.
Eu tentava recobrar a consciência, enquanto o meu marido tentava me socorrer. Ao mesmo tempo ele pegava o bebê no colo, pois estava chorando muito, e tentava atender o filho mais velho que queria atenção constante, que está com ciúmes do irmão recém chegado e com o emocional abalado por estar trancafiado a mais de 30 dias no apartamento, sem poder ver seus amigos e sem ter sua rotina de volta.
Enquanto isso, eu ainda estava passando mal, sem entender bem o que estava acontecendo. Mesmo com meu marido atendendo os anseios dos filhos, o bordão “maaaamãeeeee…” continuava incessante! Nisso o meu marido disse: “será que você está tendo uma crise de pânico?”. E eu respondi: “mas por que eu teria?”.
Foi quando me dei conta de que por semanas, eu tenho somatizado todas as preocupações desses dias de pandemia e isolamento social. E assim, fui acometida pelo grito silencioso da exaustão. É a preocupação de mãe com os filhos que podem estar correndo risco pela atual situação relacionada a saúde (o COVID-19), o medo de ser contaminada e ter que ficar internada, ou do marido ficar doente, ou da necessidade de ficarmos internados ou debilitados demais para conseguirmos cuidar dos nossos filhos. Quem cuidaria deles? Já que não temos nenhum familiar na cidade, todos moram em estados diferentes. Será que algum amigo nos socorreria em um momento desses? Essas e tantas outras paranóias, surgem constantemente na mente de uma mãe. Com isso, vem a insônia…
Mas ainda tem a sobrecarga do trabalho doméstico, demanda dos filhos nas 24h do dia: preparar diversas refeições – vivem com fome, infinitas tarefas escolares, que claro, estão atrasadas, banhos, atender quando se machucam, dar colo duplo, pedem companhia pra TUDO, é pedido de carinho, trocas de fraldas, dar mamadeiras, trocas de roupas, é pedido de atenção CONSTANTE, tem que cantar aquela música da escola (claro que eu não sei a letra e ainda tem que ouvir “não é assim a música mamãe! A ‘prôfe’ canta diferente!”), tem que saber dançar as coreografias das músicas, assistir desenho juntos, brincar juntos, contar histórias, fazer dormir. E no dia seguinte, tudo isso e mais um pouco de novo…
Mesmo com a parceria do marido, praticamente em todos os quesitos domésticos e paternos, tem a sobrecarga emocional e isso ele não pode aliviar, pois, tem coisas que a maternidade demanda que “só a mãe consegue atender”.
Meu filho mais velho, que tem quatro anos, esses dias em que tive que trabalhar um pouco mais intensamente nos meus horários, me perguntou se eu não gostava dele. Porque eu estava “trabalhando pra sempre” e eu não dava atenção para ele. Sendo que neste dia, o pai ficou o tempo todo dando atenção, brincando, atendendo todas as necessidades dele, mas não era a MAMÃE.
Para se ter uma ideia, enquanto eu escrevia este texto fui interrompida, exatas 27 vezes em uma fração de 20 min, ou seja, são quase 1,35 interrupções por minuto! Haja memória, concentração, bom humor, paciência, resiliência e afeto, para recobrar o raciocínio que vive sendo interrompido com questionamentos como: “o que você tá fazendo?”, “ tá trabalhando pra sempre?”, “tô com fome”, “minha perna tá doendo, faz massagem?”, “tô com fome (sim, de novo)”, “brinca comigo?”, “fala comigo!”, “me olha!”…
São cobranças infinitas, que vão te consumindo minuto a minuto, que inconscientemente vão te minando e te fazendo pensar que é uma péssima mãe, péssima esposa, péssima mantenedora da ordem e limpeza do lar, pois você está digitando um texto, uma reflexão para um blog, sendo que está com a louça para lavar e uma criança que não para de te pedir coisas e um bebê que felizmente está dormindo, mas que minutos antes estava chorando querendo mamar, precisando trocar a fralda e querendo colo.
Mas as demandas não acabam por aí…. Além de mãe e parceira dos compromissos domésticos (neste lar não tem “dona de casa” e sim parceiros mantenedores da ordem e limpeza do lar), também tem as demandas profissionais.
Ser professora de ensino presencial tem sido desafiante! Em tempos de pandemia e isolamento social, reformular a forma de dar aula para uma dinâmica em EAD, não tem sido tarefa simples e fácil. Lidar com alunos que optaram fazer ensino superior presencial por não se adaptarem com a metodologia EAD, e forçadamente, terem que engolir goela abaixo um ensino a distância da noite para o dia, muitas vezes sem recursos para isso. Foram reclamações, atrás de reclamações por não estarem se adaptando a esta nova realidade.
Fica aqui meus maiores e sinceros parabéns e compaixão aos professores de ensino infantil à pós-graduação! Que em meio ao isolamento social repentino, tiveram que se reinventar para tentar amenizar ao máximo o impacto no ensino de seus alunos.
Não estou reclamando de ser mãe, esposa e professora, eu sei que têm mulheres vivendo isso tudo de forma ainda mais intensa do que eu, com mais de dois filhos para cuidar, sendo mães solo, desempregadas, que são as únicas responsáveis pela manutenção da casa por não terem ajuda alguma, ou até aquelas mulheres que vivem situações de abuso e agressão no matrimônio.
Diante desta reflexão, quero levantar um alerta de que, muitas vezes nos cobramos tanto, a sociedade nos impõe a produtividade exacerbada, que tudo é uma questão de programação e organização, que só não vive bem essa quarentena, quem não se organiza.
Quero lhes dizer, que sou muito organizada, sou a louca dos controles e agendas. E mesmo assim, meu emocional, psicológico e físico deu pane! Colapsou! Mesmo tendo a parceria do marido para praticamente tudo, mesmo assim eu “pifei”!
A sobrecarga mental e física que tem acometido tantas mulheres devido ao isolamento social, tem sido alta! Por isso, mulher que tenha passado por algo semelhante ao que eu passei, peça ajuda (na medida do possível, é claro!). Não cobre a perfeição e o controle de tudo. Pois, no mundo em que vivemos, o controle tem ficado difícil de termos. Estamos em tempos de incertezas constantes, se não cuidarmos da saúde mental e de conhecermos nossos limites, iremos adoecer cada vez mais.
A saúde mental neste período de isolamento, precisa ficar em alerta! Pois, para uns tem sido um sofrimento viver o isolamento literalmente isolado, que está só, em sua residência. Já para outros – como eu e tantas famílias – tem vivido o sofrimento da sobrecarga do acúmulo de atividades e obrigações que foram absorvidas nesta quarentena.
Com este texto, quero deixar meu apoio e solidariedade a tantas mulheres, mães, professoras que têm vivido inúmeras “crises de pânico” quase que diariamente nesta quarentena e silenciosamente mascaram seu sofrimento com um lindo sorriso a seus filhos e alunos.
¹Mestre em Administração pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), professora universitária na FACET e professora conteudista no Grupo UNINTER.
Como citar:
HASHIMOTO, Herminda Bulhões. Maternidade, docência, pandemia e o grito silencioso da exaustão. Nuevo Blog, 05 maio 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/05/05/maternidade-docencia-pandemia-e-o-grito-silencioso-da-exaustao/. Acesso em: ??
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